Thursday, August 16, 2007

Viagem ao tempo das brumas


Quem é apaixonado pelos temas da Idade Média e não perde uma aventura dos cavaleiros da Távola Redonda, de Amadis de Gaula ou da mística Hildegarda abraça sempre, com renovado prazer, a entrada pelo mágico portal que o pode levar de regresso à Idade, não das trevas mas das brumas. Esse portal chama-se Castro Marim e estará aberto durante quatro dias.
Esta é a grande oportunidade das damas usarem aqueles vestidos que sempre fizeram com que acreditassem nos cavaleiros andantes. Esta é a grande oportunidade dos senhores, meninos grandes, pelejarem armados de espadas de brincar e montarem nos seus cavalos de sete cores rumo à terra dos sonhos.
Durante quatro dias Castro Marim comunga connosco o sonho de nos fazer regressar aos romances de cavalaria, dando-nos oportunidade de aprender um pouco mais sobre aquela época misteriosa que se perdeu nos confins do tempo. Talvez porque as penas daqueles cronistas talvez não fossem tão afiadas como as dos contemporâneos.
A abertura do evento é sempre feita com pompa e circunstância, tendo o alcaide do castelo o dever de receber os nobres senhores, vindos de terras distantes com o intuito de o saudar pela iniciativa. Dá-se então início ao tradicional cortejo, mostrando como os nobres por vezes se lembram do seu povo. Interessante será mesmo penetrar no castelo e ver o trabalho dos artesãos, no seu modesto trajar e hábil labuta. A doçaria é sempre um prazer para os olhos e uma doce pecado para o paladar. Depois pode-se escolher entre dedicar a nossa atenção nos minuciosos trabalhos de cestaria e tecelagem ou acompanhar de perto a confecção de uma suculenta sopa do castelo. Artesãos dos curtumes, do ferro, da lã, das iguarias, de tudo um pouco se podia espreitar, como se de uma janela para esses tempos idos se tratasse. Verificamos que as diferenças entre as classes sociais se mantêm rígidas como há 600 anos. Os nobres passeiam e divertem-se com os espectáculos, o povo trabalha e o clero ameaça com o fogo do inferno e os instrumentos de tortura, divertindo-se à socapa. É, de facto, a lição de história que todos temos de aprender para não permitir a sua repetição.
O banquete no castelo é sempre um dos pratos fortes deste evento. Preparado a rigor, é cuidadoso nos mais ínfimos detalhes havendo mesmo um certo toque de requinte, desde as toalhas de linho até à loiça e à ementa. À entrada são distribuídas túnicas àqueles que não se aperaltaram em trajes medievais para tão singular banquete. A ementa, para além das apetitosas entradinhas de queijos, fumeiros, empadinhas de atum e de caça, de peixinhos fritos em polme de farinha e ovo, o alcaide do castelo deu a provar aos seus convidados uma surpreendente sopa da abóbora aromatizada com segurelha. Esta especiaria foi como se estivesse a abrir o espírito e os sentidos para outros aromas mais surpreendentes. A perna de borrego assado com mel e alecrim deu aquele toque de diferença que muitas vezes o borrego necessita para ser apreciado. O estufado de legumes e nozes fazia o acompanhamento adequado para tão singular combinação. A salada do bosque completava a guarnição. As sobremesas, generosas, oscilavam entre o bolo de maçã com geleia de frutos silvestres, os pêssegos em xarope de cerveja e hortelã e os confeitos de frutos secos. Um delicioso remate para tão especial banquete. Todo o banquete foi regado com vinho do castelo, adoçado com mel e açúcar, cerveja preta e a aprazível herança dos celtas, a cidra. Durante o jantar ainda pudemos aprender algumas regras que se ensinavam aos convidados dos banquetes. Como por exemplo: Não deve colocar no prato do vizinho partes desagradáveis ou semimastigadas sem primeiro lhe pedir autorização. Ou então, que não se deve pegar fogo ao vizinho enquanto se encontra à mesa. Bons conselhos para uma saudável convivência à mesa. No fim pensámos que de facto, foi uma pena o café ainda não ter sido trazido de terras ainda por descobrir. De qualquer forma, o toque para o despertar foi-nos dado ao longo do banquete pelos músicos que acompanharam toda a refeição com as suas belíssimas peças medievais, com os cuspidores de fogo, os malabaristas, os acrobatas, os tocadores de trombetas e os rufares de tambores, anunciando as batalhas. À saída, um grotesco guerreiro convidou os convivas a deixarem os aposentos do banquete para poderem apreciar uma outra animação, desta vez com um grupo mais electrizado, o grupo In Taberna que actuou para todo o povo. Uma noite de encantar que de alguma forma conseguiu penetrar nas místicas brumas que se perderam no tempo. Durante estes quatro dias a animação esteve a cargo de grupos especializados nesta época. Houve de tudo, desde apresentações de arte e destreza no manejo da espada, jogos medievais, o já tradicional assalto ao castelo, torneios a cavalo, recitais de poesia trovadoresca, contadores de histórias e várias dramatizações. Faltaram ainda os ateliês de danças antigas para deleite das donzelas, que as animações não se devem confinar a guerreiros que pelejam por um favor da sua dama. Para o ano haverá mais, esperemos que com o cuidado notado neste ano e com mais encantamentos. E que toda a gente siga o exemplo do alcaide Estevens e envergue o seu traje medieval com rigor e atenção aos detalhes.

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