É enternecedor o carinho com que João Silva lida com os seus actores no ensaio geral do espectáculo A Borralhona. Mais uma produção criada com o pretexto de fazer parte da terapia de doentes do Hospital Júlio de Matos. Mais enternecedora ainda é a relação de respeito que os actores têm para com o encenador. Via-se que estavam vaidosos e se sentiam muito bem dentro dos figurinos lindíssimos de Joana de Freitas Gomes. Via-se que estavam felizes e isso, neste contexto, é o mais importante.
Este é um grupo onde a mobilidade é um factor com o qual o encenador já sabe que tem de lidar. Os actores vão e vêm consoante as suas necessidades terapêuticas e a sua relação com a doença. À excepção de um elemento, que pertence ao grupo desde 1983, os outros têm temporadas mais curtas. Este grupo de Teatro, nascido em 1968 da vontade de algumas pessoas que acreditavam que o teatro pode ser um caminho que ajuda a ultrapassar certas patologias, tem vindo a desenvolver um trabalho regular, no início com apoios da Fundação Calouste Gulbenkian e do Instituto de Assistência Psiquiátrica, mas desde 1978 que os apoios são exclusivos do Hospital Júlio de Matos. Foi nesse ano que, pela primeira vez, o grupo apresenta um espectáculo, neste caso, O Principezinho, de Saint-Exupéry, fora dos muros do Hospital.
Para João Silva, a importância do trabalho também se prende com a socialização que o teatro permite. Aquelas pessoas que sofrem daquele tipo de patologias são estigmatizadas e perdem o contacto com os outros. A prática do teatro, a mais humana das artes, ajuda-os a recuperar alguma da auto-estima perdida. Há também uma desmontagem dos jogos sociais, o que diverte muito os actores, e por sua vez, o público, que participa nessa desmontagem, quando reconhece no palco a crítica social. O teatro, tal como a música, a dança, as artes plásticas, são caminhos que se podem utilizar na terapia. Mas o teatro, segundo o encenador, detentor da palavra, meio de comunicação por excelência, é importantíssimo para a afirmação da pessoa na relação com o outro. Não prescinde da palavra porque ela é o meio privilegiado de comunicação.
O processo de trabalho consiste em sessões diárias, de manhã, onde o grupo reúne e as pessoas conversam, dão ideias. Depois de algumas sessões escolhe-se o tema. O encenador filtra as ideias e constrói o texto, como tem sido feito a partir de 1980. Desde essa data que nasceram produções como As Sete Notas Mágicas, construído a partir de contos tradicionais, Neblina, a partir de Frei Luís de Sousa, Cármen em Tragicomédia no Luna Parque, As Magnólias, Memórias de Bichos e Gentes, e em 1991, pela primeira vez com uma apresentação na Culturgest, o espectáculo Magnólias, também resultante de sessões de grupo. O grupo continua com o seu percurso e apresentações anuais com o espectáculo Memórias de Bichos e Gentes. Em 1997 o grupo levou à cena o espectáculo Tolerar os Tolos, a que se seguiu A Muralha, desta vez estreado no Instituto Franco-Português. Em 2002 estreou na Culturgest o inquietante e belo espectáculo Sonhos Sem Freud, a que se seguiu Todos à Deriva. A Borralhona estreou em 2005 no Grande Auditório da Culturgest, fruto também da sugestão de um conto tradicional, a que o encenador juntou as críticas sociais inerentes a um projecto desta natureza. No espectáculo A Borralhona, história de uma Gata Borralheira que não primava muito pela higiene, os actores divertem-se a trabalhar as personagens como se fossem de facto bonecos de contos de fadas. A assinalar esse pormenor impõe-se o apontamento cenográfico de uma boneca gigante, evocativa de Klint, suspensa do tecto com uma corda lembrando os bonecos de Santo Aleixo. Aliás, as cordas que suspendem as marionetas dispunham-se ao longo do palco , remetendo os treze actores presentes no palco para um universo de caixinha de música.
Ainda no processo de trabalho, os actores recebem os papéis e entregam-se-lhes com entusiasmo. À partida não há rejeição do papel porque este foi cuidadosamente construído para o actor. Neste espectáculo eles brincam com um outro estar, com os bonecos sócias burlescos, apontando de forma muito crítica algumas hipocrisias patentes. O espectáculo A Borralhona deixa os actores brilharem dentro dos magníficos figurinos de Joana Freitas Gomes com a cenografia imponente de Rui Francisco. O desenho de luz é de Carlos Gonçalves e a banda sonoro foi construída a partir de temas de Emir Kusturica. Uma aposta no teatro como forma terapêutica e de integração social. Pelo que vimos, essa aposta foi conseguida, através do espírito de inter-ajuda observado e pela energia de grupo que passava. E sobretudo pelo sorriso de felicidade que irradiava no fim, depois do sentimento de missão cumprida. Bem-haja ao encenador João Silva por acreditar neste método e por criar estes momentos de felicidade em vidas tão efémeras nesse sentimento.
Este é um grupo onde a mobilidade é um factor com o qual o encenador já sabe que tem de lidar. Os actores vão e vêm consoante as suas necessidades terapêuticas e a sua relação com a doença. À excepção de um elemento, que pertence ao grupo desde 1983, os outros têm temporadas mais curtas. Este grupo de Teatro, nascido em 1968 da vontade de algumas pessoas que acreditavam que o teatro pode ser um caminho que ajuda a ultrapassar certas patologias, tem vindo a desenvolver um trabalho regular, no início com apoios da Fundação Calouste Gulbenkian e do Instituto de Assistência Psiquiátrica, mas desde 1978 que os apoios são exclusivos do Hospital Júlio de Matos. Foi nesse ano que, pela primeira vez, o grupo apresenta um espectáculo, neste caso, O Principezinho, de Saint-Exupéry, fora dos muros do Hospital.
Para João Silva, a importância do trabalho também se prende com a socialização que o teatro permite. Aquelas pessoas que sofrem daquele tipo de patologias são estigmatizadas e perdem o contacto com os outros. A prática do teatro, a mais humana das artes, ajuda-os a recuperar alguma da auto-estima perdida. Há também uma desmontagem dos jogos sociais, o que diverte muito os actores, e por sua vez, o público, que participa nessa desmontagem, quando reconhece no palco a crítica social. O teatro, tal como a música, a dança, as artes plásticas, são caminhos que se podem utilizar na terapia. Mas o teatro, segundo o encenador, detentor da palavra, meio de comunicação por excelência, é importantíssimo para a afirmação da pessoa na relação com o outro. Não prescinde da palavra porque ela é o meio privilegiado de comunicação.
O processo de trabalho consiste em sessões diárias, de manhã, onde o grupo reúne e as pessoas conversam, dão ideias. Depois de algumas sessões escolhe-se o tema. O encenador filtra as ideias e constrói o texto, como tem sido feito a partir de 1980. Desde essa data que nasceram produções como As Sete Notas Mágicas, construído a partir de contos tradicionais, Neblina, a partir de Frei Luís de Sousa, Cármen em Tragicomédia no Luna Parque, As Magnólias, Memórias de Bichos e Gentes, e em 1991, pela primeira vez com uma apresentação na Culturgest, o espectáculo Magnólias, também resultante de sessões de grupo. O grupo continua com o seu percurso e apresentações anuais com o espectáculo Memórias de Bichos e Gentes. Em 1997 o grupo levou à cena o espectáculo Tolerar os Tolos, a que se seguiu A Muralha, desta vez estreado no Instituto Franco-Português. Em 2002 estreou na Culturgest o inquietante e belo espectáculo Sonhos Sem Freud, a que se seguiu Todos à Deriva. A Borralhona estreou em 2005 no Grande Auditório da Culturgest, fruto também da sugestão de um conto tradicional, a que o encenador juntou as críticas sociais inerentes a um projecto desta natureza. No espectáculo A Borralhona, história de uma Gata Borralheira que não primava muito pela higiene, os actores divertem-se a trabalhar as personagens como se fossem de facto bonecos de contos de fadas. A assinalar esse pormenor impõe-se o apontamento cenográfico de uma boneca gigante, evocativa de Klint, suspensa do tecto com uma corda lembrando os bonecos de Santo Aleixo. Aliás, as cordas que suspendem as marionetas dispunham-se ao longo do palco , remetendo os treze actores presentes no palco para um universo de caixinha de música.
Ainda no processo de trabalho, os actores recebem os papéis e entregam-se-lhes com entusiasmo. À partida não há rejeição do papel porque este foi cuidadosamente construído para o actor. Neste espectáculo eles brincam com um outro estar, com os bonecos sócias burlescos, apontando de forma muito crítica algumas hipocrisias patentes. O espectáculo A Borralhona deixa os actores brilharem dentro dos magníficos figurinos de Joana Freitas Gomes com a cenografia imponente de Rui Francisco. O desenho de luz é de Carlos Gonçalves e a banda sonoro foi construída a partir de temas de Emir Kusturica. Uma aposta no teatro como forma terapêutica e de integração social. Pelo que vimos, essa aposta foi conseguida, através do espírito de inter-ajuda observado e pela energia de grupo que passava. E sobretudo pelo sorriso de felicidade que irradiava no fim, depois do sentimento de missão cumprida. Bem-haja ao encenador João Silva por acreditar neste método e por criar estes momentos de felicidade em vidas tão efémeras nesse sentimento.
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