O Japão continua a dançar um pouco por todo o Algarve pela mão da Associação No Fundo do Fundo. A delicadeza de alguns solos solta uma
O Algarve continua a ser o palco privilegiado da dança contemporânea com destaque para o Japão. Tem-nos sido dado o privilégio de privar com as novas tendências da dança nipónica, quer através de uma formação de dança Butoh, quer através da assistência a um leque extremamente vasto de propostas trazidas por coreógrafos japoneses.
Tabula Rasa
Uma das propostas mais interessantes que nos foi dado ver neste ciclo de danças A-Sul foi a trazida por Ikuya Sakurai, a que se deu o nome de Tabula Rasa. O coreógrafo bailarino, actuando em palco juntamente com um acordeonista, Saburo Tanooka, surpreendeu pelo diálogo que conseguiu desenvolver entre os dois criadores.
O cenário era composto por duas cadeiras e uma linha branca, composta de sal, abraçando a horizontalidade do palco. A dança de Sakurai evoca o sopro de uma respiração, de tal forma é contínua e fluida. O acordeão é o elemento por excelência para compor a ideia de respiração, uma vez que Tanooka explora as potencialidades do fole do instrumento, ajudando na ideia de sopro. O sopro que anima de vida, alma que se sente e que se desoculta na coreografia partilhada por Sakurai, de onde se pressente a busca da harmonia. Nesta coreografia que une as duas artes de Diónisos existe uma articulação com a severidade apolínea das formas – as cadeiras e o contraste do sal branco no negro do cenário – elementos essenciais à transformação do espectador.
Tal como a música, a dança, como arte dionisíaca sem forma, penetra directamente na emoção do espectador. Platão sabia-o e, por isso, na sua cidade ideal, proibia alguns acordes musicais de serem ouvidos, por conduzirem a sentimentos menos nobres. Platão esqueceu-se do sopro genuíno, que alimenta o ser mas de que Sakurai nos recordou quando dançou sustentado pelo sopro do acordeão. Tanooka surpreendia os espectadores, lançando o sopro do seu acordeão de vários locais insuspeitos dentro do teatro. Sakurai continuava a dançar, alimentado por esse sopro que, aos poucos, se transformava em música. Uma música que evocava os sons dolorosos de um outro distante continente também a Sul. Aquela dimensão universal deu à coreografia de Sakurai uma dimensão maior, pois o bailarino, no seu movimento de expressão, não se expressa apenas a si próprio mas a algo muito maior. Expressa uma dimensão universal que pode ser escutada e compreendida por qualquer ser humano.
A beleza da imagem do sal, que para os japoneses tem um significado de purificação, concede aos espectadores a possibilidade deles próprios regressarem a uma pureza original, transportados pelas três dimensões presentes: a terra, simbolizado pelo sal, o ar, transmitido pela respiração do acordeão, e a ligação entre estas duas dimensões, presente na alma do bailarino. Com a simplicidade e a força da poesia de Basho pode dizer-se que este espectáculo teve a força e a leveza de um Haiku. Juntando a minha voz à de Basho poderia dizer: “Toda a noite / escutei / O Vento de Outono na montanha.” Absolutamente demolidor.
Este espectáculo repete no próximo dia 13 no Centro de Artes Performativas do Algarve.
A força da fragilidade
Miho Konai é uma bailarina que nos apresentou duas propostas de danças a solo. Diferentes nas intensidades, semelhantes na notabilidade. Em Fuwafuwa Ladybug a coreógrafa partilha com o público um estado que graça acabado se sentir e que a obrigou a olhar para a realidade com outro olhar. Uma felicidade pequena que se agiganta e nos recorda como a vida continua a ser um milagre banal. Nesta coreografia há um jogo de procura, um lutar contra a corrente, que ensina, de alguma maneira, a dar a volta por cima apreciando as pequenas coisas.
Em Detour, Miho Konai suportada sobretudo pela música de J.S. Bach, conduz o espectador a um universo de paisagens sonoras nas quais penetra, esculpindo-as com o seu corpo. O figurino diferente valorizou a prestação da bailarina, que conseguiu mostrar a sua grande capacidade, não só como detentora de uma técnica apurada, mas sobretudo como intérprete de uma poesia que consegue rimar no coração. Uma fragilidade que se torna força quando partilhada por aquele corpo através da dança.
O Algarve continua a ser o palco privilegiado da dança contemporânea com destaque para o Japão. Tem-nos sido dado o privilégio de privar com as novas tendências da dança nipónica, quer através de uma formação de dança Butoh, quer através da assistência a um leque extremamente vasto de propostas trazidas por coreógrafos japoneses.
Tabula Rasa
Uma das propostas mais interessantes que nos foi dado ver neste ciclo de danças A-Sul foi a trazida por Ikuya Sakurai, a que se deu o nome de Tabula Rasa. O coreógrafo bailarino, actuando em palco juntamente com um acordeonista, Saburo Tanooka, surpreendeu pelo diálogo que conseguiu desenvolver entre os dois criadores.
O cenário era composto por duas cadeiras e uma linha branca, composta de sal, abraçando a horizontalidade do palco. A dança de Sakurai evoca o sopro de uma respiração, de tal forma é contínua e fluida. O acordeão é o elemento por excelência para compor a ideia de respiração, uma vez que Tanooka explora as potencialidades do fole do instrumento, ajudando na ideia de sopro. O sopro que anima de vida, alma que se sente e que se desoculta na coreografia partilhada por Sakurai, de onde se pressente a busca da harmonia. Nesta coreografia que une as duas artes de Diónisos existe uma articulação com a severidade apolínea das formas – as cadeiras e o contraste do sal branco no negro do cenário – elementos essenciais à transformação do espectador.
Tal como a música, a dança, como arte dionisíaca sem forma, penetra directamente na emoção do espectador. Platão sabia-o e, por isso, na sua cidade ideal, proibia alguns acordes musicais de serem ouvidos, por conduzirem a sentimentos menos nobres. Platão esqueceu-se do sopro genuíno, que alimenta o ser mas de que Sakurai nos recordou quando dançou sustentado pelo sopro do acordeão. Tanooka surpreendia os espectadores, lançando o sopro do seu acordeão de vários locais insuspeitos dentro do teatro. Sakurai continuava a dançar, alimentado por esse sopro que, aos poucos, se transformava em música. Uma música que evocava os sons dolorosos de um outro distante continente também a Sul. Aquela dimensão universal deu à coreografia de Sakurai uma dimensão maior, pois o bailarino, no seu movimento de expressão, não se expressa apenas a si próprio mas a algo muito maior. Expressa uma dimensão universal que pode ser escutada e compreendida por qualquer ser humano.
A beleza da imagem do sal, que para os japoneses tem um significado de purificação, concede aos espectadores a possibilidade deles próprios regressarem a uma pureza original, transportados pelas três dimensões presentes: a terra, simbolizado pelo sal, o ar, transmitido pela respiração do acordeão, e a ligação entre estas duas dimensões, presente na alma do bailarino. Com a simplicidade e a força da poesia de Basho pode dizer-se que este espectáculo teve a força e a leveza de um Haiku. Juntando a minha voz à de Basho poderia dizer: “Toda a noite / escutei / O Vento de Outono na montanha.” Absolutamente demolidor.
Este espectáculo repete no próximo dia 13 no Centro de Artes Performativas do Algarve.
A força da fragilidade
Miho Konai é uma bailarina que nos apresentou duas propostas de danças a solo. Diferentes nas intensidades, semelhantes na notabilidade. Em Fuwafuwa Ladybug a coreógrafa partilha com o público um estado que graça acabado se sentir e que a obrigou a olhar para a realidade com outro olhar. Uma felicidade pequena que se agiganta e nos recorda como a vida continua a ser um milagre banal. Nesta coreografia há um jogo de procura, um lutar contra a corrente, que ensina, de alguma maneira, a dar a volta por cima apreciando as pequenas coisas.
Em Detour, Miho Konai suportada sobretudo pela música de J.S. Bach, conduz o espectador a um universo de paisagens sonoras nas quais penetra, esculpindo-as com o seu corpo. O figurino diferente valorizou a prestação da bailarina, que conseguiu mostrar a sua grande capacidade, não só como detentora de uma técnica apurada, mas sobretudo como intérprete de uma poesia que consegue rimar no coração. Uma fragilidade que se torna força quando partilhada por aquele corpo através da dança.
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