Fernando Mora Ramos encenou, o Teatro da Rainha produziu e o “Médico à Força”, de Molière tomou forma no Teatro Lethes. Um espectáculo marcado pela direcção formal de um texto que critica a classe dos médicos. A história de um humilde camponês que sova a mulher sendo posteriormente sovado em virtude de uma vingança conjugal foi exposta de forma trivial, sem arriscar muito na dramaturgia nem na ousadia da encenação. O texto original vai beber a inspiração à commédia dell’arte, uma arte de palco que põe em evidência a acrobacia do corpo e a capacidade de um actor poder interpretar vários papéis. Esta farsa teve, desde sempre um argumento fixo, não dependendo dos improvisos, tão em voga na commedia dell’arte.
Neste texto existe, para além da previsível história dos amores contrariados, a grande crítica aos impostores que se fazem passar por médicos e, mesmo, aos próprios médicos. Pois é dito com bastante génio, que nunca se soube de nenhum defunto que tenha posto o médico em tribunal por este o ter deixado morrer.
Com interpretação de Victor Santos, Isabel Lopes, Carlos Borges, José Carlos Faria, Octávio Teixeira e Raquel Monteiro, o espectáculo foi um esforço arqueológico de recriar uma ambiência do séc. XVII que se afasta sobremaneira da realidade quotidiana. Os figurinos não constituíam entre si jogos simbólicos nem tinham aquele rasgo de contemporaneidade que um espectáculo que revisita o séc. XVII poderá ter. Há um despojamento ao nível do simbólico e das opções estéticas que empobrece o espectáculo em si. O único risco espácio-temporal falhou devido a uma opção que visava o cómico mas feriu a consciência do ser cidadão. Quando Esganarelo está a espancar a sua mulher há um actor dissimulado no público que se insurge e grita contra aquele espectáculo violento. Percorre o corredor central do teatro indignado por ninguém tomar posição contra aquela cena de violência doméstica a que todos assistíamos. Por alguns momentos aquela intervenção surtiu efeito. O público ficou expectante, ansioso pela interacção entre o palco e a plateia, ainda que forçada. Toda esta lição de cidadania caiu por terra quando a mulher de Esganarelo se insurge contra quem a estava a defender, dizendo que gostava de levar pancada. De facto, numa altura em que se batalha para que as denúncias relativas à violência doméstica não se envergonhem nem se escondam, apresentar aquele facto como uma perversão íntima do casal e não um crime público, é hediondo e envergonha a dignidade de todas as mulheres. De realçar que o teatro estava cheio de alunos do 2º ciclo do ensino básico, com idades que rondavam os 11 anos, sem qualquer contextualização que lhes permitisse tirar outra lição que não fosse: é normal os maridos espancarem as mulheres e elas ainda por cima, gostam. Considerando que uma das funções do teatro é a educação cívica, deveriam ter-se em conta certas opções estéticas.
De qualquer forma, essa intervenção mais ousada da contemporaneidade circunscreveu-se àquele triste episódio e à dança final que, depois de uma dança de roda muito básica e pouco elegante, os actores seguem o ritmo alterado pela batida do séc XXI e dançam como se estivessem num discoteca.
O desempenho dos actores, atendendo a que são profissionais apoiados pelo Instituto das Artes, é sofrível. Pouco rigor e muitos chichés. Destacando-se pela negativa apontamos Octávio Teixeira, num registo muito inseguro e frágil e Isabel Lopes, com um timbre de voz áspero e pouco trabalhado, que evidencia a sua agrura quando imita, desnecessariamente, a pronúncia alentejana.
Um espectáculo sofrível que teve como ponto positivo a possibilidade de dar vida a um texto de Molière.
Neste texto existe, para além da previsível história dos amores contrariados, a grande crítica aos impostores que se fazem passar por médicos e, mesmo, aos próprios médicos. Pois é dito com bastante génio, que nunca se soube de nenhum defunto que tenha posto o médico em tribunal por este o ter deixado morrer.
Com interpretação de Victor Santos, Isabel Lopes, Carlos Borges, José Carlos Faria, Octávio Teixeira e Raquel Monteiro, o espectáculo foi um esforço arqueológico de recriar uma ambiência do séc. XVII que se afasta sobremaneira da realidade quotidiana. Os figurinos não constituíam entre si jogos simbólicos nem tinham aquele rasgo de contemporaneidade que um espectáculo que revisita o séc. XVII poderá ter. Há um despojamento ao nível do simbólico e das opções estéticas que empobrece o espectáculo em si. O único risco espácio-temporal falhou devido a uma opção que visava o cómico mas feriu a consciência do ser cidadão. Quando Esganarelo está a espancar a sua mulher há um actor dissimulado no público que se insurge e grita contra aquele espectáculo violento. Percorre o corredor central do teatro indignado por ninguém tomar posição contra aquela cena de violência doméstica a que todos assistíamos. Por alguns momentos aquela intervenção surtiu efeito. O público ficou expectante, ansioso pela interacção entre o palco e a plateia, ainda que forçada. Toda esta lição de cidadania caiu por terra quando a mulher de Esganarelo se insurge contra quem a estava a defender, dizendo que gostava de levar pancada. De facto, numa altura em que se batalha para que as denúncias relativas à violência doméstica não se envergonhem nem se escondam, apresentar aquele facto como uma perversão íntima do casal e não um crime público, é hediondo e envergonha a dignidade de todas as mulheres. De realçar que o teatro estava cheio de alunos do 2º ciclo do ensino básico, com idades que rondavam os 11 anos, sem qualquer contextualização que lhes permitisse tirar outra lição que não fosse: é normal os maridos espancarem as mulheres e elas ainda por cima, gostam. Considerando que uma das funções do teatro é a educação cívica, deveriam ter-se em conta certas opções estéticas.
De qualquer forma, essa intervenção mais ousada da contemporaneidade circunscreveu-se àquele triste episódio e à dança final que, depois de uma dança de roda muito básica e pouco elegante, os actores seguem o ritmo alterado pela batida do séc XXI e dançam como se estivessem num discoteca.
O desempenho dos actores, atendendo a que são profissionais apoiados pelo Instituto das Artes, é sofrível. Pouco rigor e muitos chichés. Destacando-se pela negativa apontamos Octávio Teixeira, num registo muito inseguro e frágil e Isabel Lopes, com um timbre de voz áspero e pouco trabalhado, que evidencia a sua agrura quando imita, desnecessariamente, a pronúncia alentejana.
Um espectáculo sofrível que teve como ponto positivo a possibilidade de dar vida a um texto de Molière.
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