É raro termos um concerto num espaço com cerca de 200 lugares que se torne intimista. Este fenómeno aconteceu no dia 21 de Abril quando o teatro Lethes esgotou para ouvir José Mário Branco.
As palavras, latentes nas utopias de cada um, acompanhavam a guitarra que entoava as melodias que se foram tornando hinos ao longo dos tempos.
E, sempre que José Mário Branco nos privilegia com um recital, arrasta-nos para uma ambiência mística onde se impõe uma aura de verdade arrepiante.
Neste espectáculo José Mário Branco interpretou temas de vários álbuns. Resistir é Vencer foi a palavra de ordem para as músicas que emergiram da voz do autor. Mas o que nos faz reflectir é que temas que serviram para ilustrar a nossa indignação há 20 anos atrás continuam bem presentes nos dias de hoje. Temas como As Canseiras desta Vida, integrado no álbum A Mãe, composto para um espectáculo homónimo do grupo de teatro A Comuna, continuam paradoxalmente a fazer sentido. Neste último álbum ouvimos estas palavras: “No Lugar da consciência / a lei da concorrência / Pisando tudo pelo caminho / P’ra castrar a juventude / Mascaram de virtude / o querer vencer sozinho.” Palavras que têm a virtude de se cravarem como farpas nas mais tranquilas e apaziguadas consciências. A virtude de desinquietar filosoficamente, à maneira socrática, a paz podre instalada.
José Mário Branco é um filósofo autêntico que fere, através dos seus poemas, os responsáveis pelo mal-estar social, os anões de espírito instalados no poder. Realmente, o papão para qualquer anão é ter um irmão menor. Como nos pequenos poderes que se arrogam de importância. Afinal, já Sérgio Godinho nos tinha falado dos “assessores”, os pequeninos que comem na borda do prato dos pequenos poderes, que lambem os poderosos por quatro, cinco ou muitos anos de fidelidade mascarada de felicidade. Numa pequena canção, Zé Mário ilustra uma fatal realidade de todos os dias: os pequenos poderes dos anõezinhos que se interpõem entre o pobre cidadão e o anão poderoso a quem deu o voto. Qual pequenos “salieris” contemporâneos, são os medíocres que verdadeiramente mandam.
Mas a esperança continua na alma do autor quando nos canta: “Do que um homem é capaz / As coisas que ele faz / P’ra chegar aonde quer / É capaz de dar a vida / P’ra levar de vencida / Uma razão de viver.” As palavras tornam-se justeza e constroem um sentido que ultrapassa qualquer hino panfletário já em desuso. Os versos de José Mário atravessam oceanos de tempo, infelizmente não para saudarmos a mudança entretanto havida mas para lamentarmos a permanência num estado social insustentável ao nível da dignidade da Pessoa. E de cada vez que Zé Mário nos descreve que vê “gente cuja vida / Vai sendo consumida / Nas miragens do Poder / Agarrados a alguns ossos / No meio dos Destroços / do que nunca hão-de fazer”, lembramo-nos de uma sociedade que não queremos mas que persiste em insinuar-se labirinticamente nos corredores das instituições que demarcam os pequenos poderes. Sabemos que existem, somos confrontados com eles, mas a voz de José Mário Branco lembra-nos que não é esse estado de coisas que é “normal”. Apenas se normalizou. Lembra-nos que também os pequenos poderes, à semelhança dos grandes, podem cair. Como nos lembra Sófocles, no seu texto Antígona, Creonte é confrontado com o facto de que é ao povo que deve a sua soberania, nessa jovem democracia ateniense entretanto criada. Um serviço que os dirigentes deveriam honrar e não agir como a pior espécie de homens ao cimo da Terra: os tiranos. O recital de José Mário Branco funcionou como uma arma mobilizadora intemporal de vontades, para além de qualquer revolução. E devolveu-nos o direito de sentirmos a indignação, a tristeza, a felicidade. O direito de não sermos hipócritas. Por isso é sempre importantes lembrar as palavras do poetas, integradas no álbum Ser Solidário; “Não cantes alegrias a fingir / Se alguma dor existir / A roer dentro da toca /Deixa a tristeza sair / Pois só se aprende a sorrir / Com a verdade na boca.”
As palavras, latentes nas utopias de cada um, acompanhavam a guitarra que entoava as melodias que se foram tornando hinos ao longo dos tempos.
E, sempre que José Mário Branco nos privilegia com um recital, arrasta-nos para uma ambiência mística onde se impõe uma aura de verdade arrepiante.
Neste espectáculo José Mário Branco interpretou temas de vários álbuns. Resistir é Vencer foi a palavra de ordem para as músicas que emergiram da voz do autor. Mas o que nos faz reflectir é que temas que serviram para ilustrar a nossa indignação há 20 anos atrás continuam bem presentes nos dias de hoje. Temas como As Canseiras desta Vida, integrado no álbum A Mãe, composto para um espectáculo homónimo do grupo de teatro A Comuna, continuam paradoxalmente a fazer sentido. Neste último álbum ouvimos estas palavras: “No Lugar da consciência / a lei da concorrência / Pisando tudo pelo caminho / P’ra castrar a juventude / Mascaram de virtude / o querer vencer sozinho.” Palavras que têm a virtude de se cravarem como farpas nas mais tranquilas e apaziguadas consciências. A virtude de desinquietar filosoficamente, à maneira socrática, a paz podre instalada.
José Mário Branco é um filósofo autêntico que fere, através dos seus poemas, os responsáveis pelo mal-estar social, os anões de espírito instalados no poder. Realmente, o papão para qualquer anão é ter um irmão menor. Como nos pequenos poderes que se arrogam de importância. Afinal, já Sérgio Godinho nos tinha falado dos “assessores”, os pequeninos que comem na borda do prato dos pequenos poderes, que lambem os poderosos por quatro, cinco ou muitos anos de fidelidade mascarada de felicidade. Numa pequena canção, Zé Mário ilustra uma fatal realidade de todos os dias: os pequenos poderes dos anõezinhos que se interpõem entre o pobre cidadão e o anão poderoso a quem deu o voto. Qual pequenos “salieris” contemporâneos, são os medíocres que verdadeiramente mandam.
Mas a esperança continua na alma do autor quando nos canta: “Do que um homem é capaz / As coisas que ele faz / P’ra chegar aonde quer / É capaz de dar a vida / P’ra levar de vencida / Uma razão de viver.” As palavras tornam-se justeza e constroem um sentido que ultrapassa qualquer hino panfletário já em desuso. Os versos de José Mário atravessam oceanos de tempo, infelizmente não para saudarmos a mudança entretanto havida mas para lamentarmos a permanência num estado social insustentável ao nível da dignidade da Pessoa. E de cada vez que Zé Mário nos descreve que vê “gente cuja vida / Vai sendo consumida / Nas miragens do Poder / Agarrados a alguns ossos / No meio dos Destroços / do que nunca hão-de fazer”, lembramo-nos de uma sociedade que não queremos mas que persiste em insinuar-se labirinticamente nos corredores das instituições que demarcam os pequenos poderes. Sabemos que existem, somos confrontados com eles, mas a voz de José Mário Branco lembra-nos que não é esse estado de coisas que é “normal”. Apenas se normalizou. Lembra-nos que também os pequenos poderes, à semelhança dos grandes, podem cair. Como nos lembra Sófocles, no seu texto Antígona, Creonte é confrontado com o facto de que é ao povo que deve a sua soberania, nessa jovem democracia ateniense entretanto criada. Um serviço que os dirigentes deveriam honrar e não agir como a pior espécie de homens ao cimo da Terra: os tiranos. O recital de José Mário Branco funcionou como uma arma mobilizadora intemporal de vontades, para além de qualquer revolução. E devolveu-nos o direito de sentirmos a indignação, a tristeza, a felicidade. O direito de não sermos hipócritas. Por isso é sempre importantes lembrar as palavras do poetas, integradas no álbum Ser Solidário; “Não cantes alegrias a fingir / Se alguma dor existir / A roer dentro da toca /Deixa a tristeza sair / Pois só se aprende a sorrir / Com a verdade na boca.”
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