A companhia profissional das Caldas da Rainha, em co-produção com o Teatrão, de Coimbra, trouxe até ao Algarve o espectáculo Burlesco: uma encenação de Fernando Mora Ramos a partir dos textos de Karl Valentim e de Eduardo de Fillipo. A defender este projecto estiveram os actores Victor Santos, Isabel Lopes, Rui Damasceno e o próprio Fernando Mora Ramos.
Este Burlesco trouxe-nos duas farsas em formato naturalista com uma pitada de simbolismo para os apreciadores mais exigentes. Essa pitada de simbolismo podia sentir-se no texto de Karl Valentim, apresentado em primeiro lugar. Um jogo de gavetas versáteis, qual malão de uma Mary Poppins dos pobrezinhos, a partir das quais se pode encontrar tudo o que se quiser, desde uma almotolia de azeite até uma camisa lavada ou um botão de colarinho. A própria encenação, brincando com o cenário pintado e passando assumidamente por detrás do tabique cenográfico para demonstrar como é que uma personagem irá entrar em cena é outra das soluções cénicas interessantes deste trabalho. Mas da vida dos desafortunados que não tiveram possibilidade de conquistar um pouco daquela riqueza de espírito a que todos temos direito merece ser tratada com um pouco mais de inteligência. Aquilo a que assistimos no Burlesco de Fernando Mora Ramos foi apenas a dádiva dos textos. Textos simbólicos que nos poderiam divertir mas que chegam ao público demasiado desembrulhados para que este tenha algum prazer em degustá-los. É um pouco como tirarem-nos o prazer de desembrulhar o papel colorido e difícil que envolve o rebuçado antes de o comermos. Nós gostamos de retirar o difícil papel de embrulho e de, ao recebermos o rebuçado na boca, senti-lo a desfazer-se numa miríade de texturas e sabores. Porque o público gosta de reflectir e pensar, e sente-se quase ludibriado quando lhe dão tudo de mão beijada. No intervalo, os comentários não deixavam margem para dúvida: “a minha avó é que havia de gostar de ver isto…”. E por que é que o público reage assim a actores que genuinamente se lhe estão a entregar? Provavelmente porque a luminotecnia não se socorreu da sua arte para emprestar magia ao espectáculo; provavelmente porque as personagens grotescas que já não fazem parte do nosso imaginário não se actualizaram para um reconhecimento mais próximo; provavelmente porque a encenação falhou. Mas muito provavelmente porque o público já está num processo irreversível de crítica e educação tal que não se compadece com o medíocre. E é através destas pequenas reacções, de um público que muito naturalmente já não se satisfaz com o naturalismo, que rendo homenagem aos primeiros simbolistas, como Jarry, Meyerhold e tantos outros, por acreditarem numa outra forma de fazer teatro, num outro sentido para o teatro que não apenas o de entretenimento. O que o Teatro da Rainha trouxe ao Teatro Lethes foi pura e simplesmente entretenimento e neste momento o público de Faro e do Algarve em geral quer mais do que isso de um espectáculo de teatro. Quer boas interpretações, um pouco de magia e algum conteúdo. Não queremos dizer que Karl Valentim ou Eduardo de Fillipo sejam desprovidos de conteúdo. Mas ficam com a mensagem banal quando a encenação é pobre e se suja com tantos adereços desnecessários, como aconteceu no texto de Karl Valentim.
Já vimos no Teatro Lethes, companhias com poucos recursos apresentar espectáculos sobre a vida duras dos mais desfavorecidos, e que se inscreveram para sempre na nossa memória, como foi o caso do teatro da Serra de Montemuro com a Eira dos Cães. Já vimos noutros palcos do Algarve homenagens a essa gente com a vida dura mas que não se impede de sonhar, como aconteceu com as Sopinhas de Mel de Teresa Rita Lopes, em Vila Real de Santo António. Um espectáculo comovente e belo que soube apresentar uma crítica social embrulhada em poesia e sonho. O Burlesco deu-nos apenas uma visão horrenda de gente desfavorecida e deseducada. Então é caso para perguntar: Se o burlesco esmaga com a sua visão de horror a mensagem que poderia estar por detrás de um texto para que é que há companhias de teatro que se dão ao trabalho de o produzir? Para entreter? Então esqueçam. Nós aqui no Algarve já não precisamos de quem nos entretenha. Precisamos de quem comunique e consiga de alguma forma esse momento mágico da saída da indiferença, do reconhecimento ou, até mesmo, da catarse que o teatro provoca no espectador. Para nos entretermos temos telenovelas. A arte do teatro é bem mais do que isso. É nestes momentos que nos sentimos bem e orgulhosos de pertencer a uma região em que as companhias de teatro como a ACTA ou a Al- Masrah, entre muitas outras, primam não por entreter mas por dar algo bem mais substancial ao seu público: cultura.
Este Burlesco trouxe-nos duas farsas em formato naturalista com uma pitada de simbolismo para os apreciadores mais exigentes. Essa pitada de simbolismo podia sentir-se no texto de Karl Valentim, apresentado em primeiro lugar. Um jogo de gavetas versáteis, qual malão de uma Mary Poppins dos pobrezinhos, a partir das quais se pode encontrar tudo o que se quiser, desde uma almotolia de azeite até uma camisa lavada ou um botão de colarinho. A própria encenação, brincando com o cenário pintado e passando assumidamente por detrás do tabique cenográfico para demonstrar como é que uma personagem irá entrar em cena é outra das soluções cénicas interessantes deste trabalho. Mas da vida dos desafortunados que não tiveram possibilidade de conquistar um pouco daquela riqueza de espírito a que todos temos direito merece ser tratada com um pouco mais de inteligência. Aquilo a que assistimos no Burlesco de Fernando Mora Ramos foi apenas a dádiva dos textos. Textos simbólicos que nos poderiam divertir mas que chegam ao público demasiado desembrulhados para que este tenha algum prazer em degustá-los. É um pouco como tirarem-nos o prazer de desembrulhar o papel colorido e difícil que envolve o rebuçado antes de o comermos. Nós gostamos de retirar o difícil papel de embrulho e de, ao recebermos o rebuçado na boca, senti-lo a desfazer-se numa miríade de texturas e sabores. Porque o público gosta de reflectir e pensar, e sente-se quase ludibriado quando lhe dão tudo de mão beijada. No intervalo, os comentários não deixavam margem para dúvida: “a minha avó é que havia de gostar de ver isto…”. E por que é que o público reage assim a actores que genuinamente se lhe estão a entregar? Provavelmente porque a luminotecnia não se socorreu da sua arte para emprestar magia ao espectáculo; provavelmente porque as personagens grotescas que já não fazem parte do nosso imaginário não se actualizaram para um reconhecimento mais próximo; provavelmente porque a encenação falhou. Mas muito provavelmente porque o público já está num processo irreversível de crítica e educação tal que não se compadece com o medíocre. E é através destas pequenas reacções, de um público que muito naturalmente já não se satisfaz com o naturalismo, que rendo homenagem aos primeiros simbolistas, como Jarry, Meyerhold e tantos outros, por acreditarem numa outra forma de fazer teatro, num outro sentido para o teatro que não apenas o de entretenimento. O que o Teatro da Rainha trouxe ao Teatro Lethes foi pura e simplesmente entretenimento e neste momento o público de Faro e do Algarve em geral quer mais do que isso de um espectáculo de teatro. Quer boas interpretações, um pouco de magia e algum conteúdo. Não queremos dizer que Karl Valentim ou Eduardo de Fillipo sejam desprovidos de conteúdo. Mas ficam com a mensagem banal quando a encenação é pobre e se suja com tantos adereços desnecessários, como aconteceu no texto de Karl Valentim.
Já vimos no Teatro Lethes, companhias com poucos recursos apresentar espectáculos sobre a vida duras dos mais desfavorecidos, e que se inscreveram para sempre na nossa memória, como foi o caso do teatro da Serra de Montemuro com a Eira dos Cães. Já vimos noutros palcos do Algarve homenagens a essa gente com a vida dura mas que não se impede de sonhar, como aconteceu com as Sopinhas de Mel de Teresa Rita Lopes, em Vila Real de Santo António. Um espectáculo comovente e belo que soube apresentar uma crítica social embrulhada em poesia e sonho. O Burlesco deu-nos apenas uma visão horrenda de gente desfavorecida e deseducada. Então é caso para perguntar: Se o burlesco esmaga com a sua visão de horror a mensagem que poderia estar por detrás de um texto para que é que há companhias de teatro que se dão ao trabalho de o produzir? Para entreter? Então esqueçam. Nós aqui no Algarve já não precisamos de quem nos entretenha. Precisamos de quem comunique e consiga de alguma forma esse momento mágico da saída da indiferença, do reconhecimento ou, até mesmo, da catarse que o teatro provoca no espectador. Para nos entretermos temos telenovelas. A arte do teatro é bem mais do que isso. É nestes momentos que nos sentimos bem e orgulhosos de pertencer a uma região em que as companhias de teatro como a ACTA ou a Al- Masrah, entre muitas outras, primam não por entreter mas por dar algo bem mais substancial ao seu público: cultura.
No comments:
Post a Comment