O CAPa é um dos 14 parceiros que torna possível em Portugal o Projecto “Jovens Artistas Jovens”. Este projecto já existe noutros países europeus e pretende apoiar os jovens artistas, ganhando também um conhecimento da sua situação real e integrando-os em estruturas (teatros, associações) a nível nacional.
Este projecto vem colmatar uma lacuna, pois pretende fazer um levantamento sobre os grupos de jovens criadores que querem oferecer o seu talento ao país. Através deste projecto, esses artistas poderão ultrapassar algumas dificuldades inerentes aos projectos de jovens que querem colocar os seus projectos na cena nacional.
O projecto “Jovens artistas jovens” é sensível à necessidade que os jovens têm relativamente a uma experiência artística que contemple aspectos de produção e de técnica, que lhes permitam, mais tarde, alcançar autonomia. Pretende-se, por isso, a possibilidade de realizar um trabalho no contexto de uma estrutura que funciona em moldes profissionais, que permitirá dotar os jovens artistas de conhecimentos e ferramentas que lhes podem ser úteis no momento de pensar novas criações.
As entidades organizadoras sentem que “muitas vezes, os jovens artistas trabalham sós e silenciosos. Pensamos que a possibilidade de encontros e discussões com artistas com uma experiência mais firmada e com um olhar diferente sobre a arte pode resultar no enriquecimento exponencial não só dos seus trabalhos, como deles próprios. São eles que ganham de um olhar renovado e mais maduro críticas, questões e estímulos que decerto não os deixarão imunes. (…) Se os jovens artistas permanecerem arredados do público, aquelas que constituem as suas grandes preocupações e as suas maiores apostas ficarão perdidas numa geração sem espelho artístico. ”
Por considerarem que o apoio aos artistas jovens é quase uma obrigação, no sentido em que as estruturas de teatros são veículos de encontro entre comunidades de público, de artistas, de discursos e de olhares, criaram a possibilidade de os artistas se afirmarem através de um concurso a nível nacional, com o intuito de oferecer a possibilidade de um acompanhamento gradual do trabalho artístico e ainda a sua produção. Este seria, assim, o objectivo último do projecto “Jovens Artistas Jovens”. Finalmente, numa tentativa de potenciar ao máximo esta iniciativa, pretende-se que o projecto português “Jovens Artistas Jovens” seja parceiro dos outros projectos congéneres na Europa, de modo a permitir a apresentação de trabalhos e a discussão de questões a nível internacional.
Lá e Cá foi um dos três projectos que ganhou a possibilidade de fazer uma residência artística no CAPa. Desenvolvido por duas jovens artistas, Catarina Vieira e Solange Freitas, estas criativas basearam-se num texto de António Lobo Antunes, Boa Tarde às Coisas Aqui em Baixo e construíram um espectáculo inovador e diferente, falado no feminino. As personagens são complexas, muito ricas de passado e sequiosas de comunicar, por estarem envoltas no silêncio, no esquecimento, num não-lugar familiar e social. «A única coisa que pretendo é que me deixem em paz sozinha comigo ou antes sozinha com isto que não sou eu e em que me tornei» Essa sede de comunicação torna o discurso tenso e ritmado, no qual a pontuação, omissa pela urgência de falar, é compensada pela expressividade e pela poesia. O espectáculo Lá e Cá assenta nesse princípio da incomunicabilidade. Uma mulher aparece sem rosto, com um saco de papel cobrindo-lhe a identidade. Outra mulher chega, igualmente sem identidade. Elegantes, os sapatos, como coturnos, elevam a figura sem rosto. As mulheres penteiam os cabelos que não se vêem sob um saco de papel que oculta o rosto. Dão ao saco uma outra identidade, quando desenham com baton uma outra boca e uns outros olhos.
Tentam “Não se querer enganar, não se deixar ler, não se tornar expressão, ser impassível, não mostrar a cara, esconder os olhos, não ver e não ser visto, filtrar a informação da alma, fingir-se de morto, não mostrar tudo, estar sempre a fugir, ter nove mil caras, fingir-se de morto, ver e não ser visto, ficar na sombra, ser igual ao outro para não ser o outro, não perder o pé ou a cabeça, não sair do mesmo sítio.”
As actrizes dominam o espaço, coberto com cartão, apesar de não o conseguirem ver. Uma delas tenta compor a imagem colocando brincos, mas o cartão começa a rasgar-se. A tentativa de compor o que está desfeito vem através da tentativa de colar o rosto com fita adesiva. A outra mulher fala e vai comendo o papel que lhe cobre o rosto. A identidade descobre-se a partir da palavra e o papel vai-se rasgando em pedaços cada vez mais pequenos, cobrindo o olhar. A relação do corpo com o espaço, construída com o apoio de Luca Aprea, é íntima e permite que o corpo se movimente de olhos fechados num espaço com obstáculos. A boca do corpo revela a fala das profundezas do sentimento de si, que engole o real de forma ampliada. Quando a palavra desoculta o rosto, um espelho devolve a imagem do objecto de conhecimento a si próprio. É comovente a cena em que a actriz se move, ostentando no rosto um espelho que devolve a imagem aos espectadores. Com o espelho, o sujeito pode efectivamente ter nove mil caras, fugindo de si próprio. Do espelho passa-se ao filtro e a uma das cenas mais bonitas do espectáculo. A meio da cena, sobre um balcão, estão dispostos lado a lado seis grandes jarros transparentes cheios de água. Seis infusas uterinas que permitem um olhar filtrado sobre a realidade. Com a luz belíssima de Wagner Borges, os rostos por detrás das infusas ficam deformados e estranhos, dando ao outro o reflexo de uma realidade que não é a sua. Segundo Lobo Antunes, “O inferno consiste em lembrarmo-nos a eternidade inteira”.
As conversas, o social, escondem-se atrás de uma capa de múltiplos rostos, alimentados por conversas fúteis. Quando o rosto se descobre e fita o outro, olhos nos olhos, a sintonia acontece e o corpo responde em simultâneo. O espectáculo acaba quando a cumplicidade é encontrada.
As referências à escrita profunda e complexa de Lobo Antunes tornaram-se evidentes ao longo de todo o espectáculo, que se impôs como uma bonita homenagem ao escritor.
Um espectáculo belíssimo que nos convida a aprofundar a leitura de Lobo Antunes, mas que, sobretudo, nos aguça a curiosidade sobre os projectos que os jovens criadores não podem deixar na gaveta.
Este projecto vem colmatar uma lacuna, pois pretende fazer um levantamento sobre os grupos de jovens criadores que querem oferecer o seu talento ao país. Através deste projecto, esses artistas poderão ultrapassar algumas dificuldades inerentes aos projectos de jovens que querem colocar os seus projectos na cena nacional.
O projecto “Jovens artistas jovens” é sensível à necessidade que os jovens têm relativamente a uma experiência artística que contemple aspectos de produção e de técnica, que lhes permitam, mais tarde, alcançar autonomia. Pretende-se, por isso, a possibilidade de realizar um trabalho no contexto de uma estrutura que funciona em moldes profissionais, que permitirá dotar os jovens artistas de conhecimentos e ferramentas que lhes podem ser úteis no momento de pensar novas criações.
As entidades organizadoras sentem que “muitas vezes, os jovens artistas trabalham sós e silenciosos. Pensamos que a possibilidade de encontros e discussões com artistas com uma experiência mais firmada e com um olhar diferente sobre a arte pode resultar no enriquecimento exponencial não só dos seus trabalhos, como deles próprios. São eles que ganham de um olhar renovado e mais maduro críticas, questões e estímulos que decerto não os deixarão imunes. (…) Se os jovens artistas permanecerem arredados do público, aquelas que constituem as suas grandes preocupações e as suas maiores apostas ficarão perdidas numa geração sem espelho artístico. ”
Por considerarem que o apoio aos artistas jovens é quase uma obrigação, no sentido em que as estruturas de teatros são veículos de encontro entre comunidades de público, de artistas, de discursos e de olhares, criaram a possibilidade de os artistas se afirmarem através de um concurso a nível nacional, com o intuito de oferecer a possibilidade de um acompanhamento gradual do trabalho artístico e ainda a sua produção. Este seria, assim, o objectivo último do projecto “Jovens Artistas Jovens”. Finalmente, numa tentativa de potenciar ao máximo esta iniciativa, pretende-se que o projecto português “Jovens Artistas Jovens” seja parceiro dos outros projectos congéneres na Europa, de modo a permitir a apresentação de trabalhos e a discussão de questões a nível internacional.
Lá e Cá foi um dos três projectos que ganhou a possibilidade de fazer uma residência artística no CAPa. Desenvolvido por duas jovens artistas, Catarina Vieira e Solange Freitas, estas criativas basearam-se num texto de António Lobo Antunes, Boa Tarde às Coisas Aqui em Baixo e construíram um espectáculo inovador e diferente, falado no feminino. As personagens são complexas, muito ricas de passado e sequiosas de comunicar, por estarem envoltas no silêncio, no esquecimento, num não-lugar familiar e social. «A única coisa que pretendo é que me deixem em paz sozinha comigo ou antes sozinha com isto que não sou eu e em que me tornei» Essa sede de comunicação torna o discurso tenso e ritmado, no qual a pontuação, omissa pela urgência de falar, é compensada pela expressividade e pela poesia. O espectáculo Lá e Cá assenta nesse princípio da incomunicabilidade. Uma mulher aparece sem rosto, com um saco de papel cobrindo-lhe a identidade. Outra mulher chega, igualmente sem identidade. Elegantes, os sapatos, como coturnos, elevam a figura sem rosto. As mulheres penteiam os cabelos que não se vêem sob um saco de papel que oculta o rosto. Dão ao saco uma outra identidade, quando desenham com baton uma outra boca e uns outros olhos.
Tentam “Não se querer enganar, não se deixar ler, não se tornar expressão, ser impassível, não mostrar a cara, esconder os olhos, não ver e não ser visto, filtrar a informação da alma, fingir-se de morto, não mostrar tudo, estar sempre a fugir, ter nove mil caras, fingir-se de morto, ver e não ser visto, ficar na sombra, ser igual ao outro para não ser o outro, não perder o pé ou a cabeça, não sair do mesmo sítio.”
As actrizes dominam o espaço, coberto com cartão, apesar de não o conseguirem ver. Uma delas tenta compor a imagem colocando brincos, mas o cartão começa a rasgar-se. A tentativa de compor o que está desfeito vem através da tentativa de colar o rosto com fita adesiva. A outra mulher fala e vai comendo o papel que lhe cobre o rosto. A identidade descobre-se a partir da palavra e o papel vai-se rasgando em pedaços cada vez mais pequenos, cobrindo o olhar. A relação do corpo com o espaço, construída com o apoio de Luca Aprea, é íntima e permite que o corpo se movimente de olhos fechados num espaço com obstáculos. A boca do corpo revela a fala das profundezas do sentimento de si, que engole o real de forma ampliada. Quando a palavra desoculta o rosto, um espelho devolve a imagem do objecto de conhecimento a si próprio. É comovente a cena em que a actriz se move, ostentando no rosto um espelho que devolve a imagem aos espectadores. Com o espelho, o sujeito pode efectivamente ter nove mil caras, fugindo de si próprio. Do espelho passa-se ao filtro e a uma das cenas mais bonitas do espectáculo. A meio da cena, sobre um balcão, estão dispostos lado a lado seis grandes jarros transparentes cheios de água. Seis infusas uterinas que permitem um olhar filtrado sobre a realidade. Com a luz belíssima de Wagner Borges, os rostos por detrás das infusas ficam deformados e estranhos, dando ao outro o reflexo de uma realidade que não é a sua. Segundo Lobo Antunes, “O inferno consiste em lembrarmo-nos a eternidade inteira”.
As conversas, o social, escondem-se atrás de uma capa de múltiplos rostos, alimentados por conversas fúteis. Quando o rosto se descobre e fita o outro, olhos nos olhos, a sintonia acontece e o corpo responde em simultâneo. O espectáculo acaba quando a cumplicidade é encontrada.
As referências à escrita profunda e complexa de Lobo Antunes tornaram-se evidentes ao longo de todo o espectáculo, que se impôs como uma bonita homenagem ao escritor.
Um espectáculo belíssimo que nos convida a aprofundar a leitura de Lobo Antunes, mas que, sobretudo, nos aguça a curiosidade sobre os projectos que os jovens criadores não podem deixar na gaveta.
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