Thursday, August 16, 2007

Os rapazes do politicamente incorrecto

Esta sociedade do faz-de-conta em que se prima pelo parecer mais do que pelo ser, onde se chamam invisuais aos cegos e idosos aos velhos, retirando todo o sentido de ternura que estas acepções já tiveram, precisa de vez em quando de ser abanada pelos velhos bobos da corte. Esse papel coube durante várias décadas a Herman José que, infelizmente para ele, não teve ninguém à sua altura para lhe fazer frente enquanto nos deliciava com o “Crime na pensão Estrelinha”, o “Hermanias” ou o emblemático “Tal Canal”. Mas os bobos de qualquer corte, por muito talentosos que sejam também precisam de se reinventarem a si próprios e mais de duas décadas seguidas a fazer rir merecem uma saída honrosa e a passagem de testemunho a quem sabiamente o saiba substituir. Essa transição foi feita, pois o público fiel ao humor corrosivo e non-sense de Herman José, que já olhava com alguma condescendência os seus últimos trabalhos, recebeu entusiasticamente o grupo Gato Fedorento. Herdeiros de uma geração que cresceu a rir com os Monty Python, Benny Hill ou Herman José, estão a saber reinventar os vícios de uma sociedade que prima pelo politicamente correcto. De facto, a nossa vida é uma tragédia onde o único humor que retiramos dela é negro. Só um espírito perspicaz e inteligente é capaz de a descrever de forma a parecer-nos absurdamente risível. E rimo-nos da burocracia absurda, das relações absurdas que se constroem entre as pessoas, da relação com a autoridade, com a religião. Fugindo ao formato agora em moda do Stand-up comedy os quatro elementos do Gato Fedorento têm uma encenação com marcações rígidas, mostrando o profissionalismo que não se compadece com as “buchas” que se metem ao vivo e deixam o colega inseguro. Sem o recurso fácil à linguagem vernácula, ou aos gestos obscenos, os Gato Fedorento estão aí para nos lembrarmos de quem somos, quais os nosso tiques mais irritantes enquanto entidade que partilha do mesmo imaginário colectivo e sobretudo para podermos ficar descansados por mais uns tempos porque a boa comédia em português para um público heterogéneo afinal… ainda existe.

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