Depois de quase um ano na estrada as escolas e os gabinetes de apoio aos jovens continuam a solicitar ajuda à ACTA para ir falar com os adolescentes sobre sexo. O espectáculo O Nexo dos Sexus é o exemplo de um espectáculo interactivo que coloca o jovem no centro da acção e põe o dedo na ferida de uma educação para os afectos ainda muito deficitária nas nossas escolas.
Os olhares dos adolescentes inquietavam-se quando a equipa da ACTA os dividia em grupos de género mistos antes de entrarem na sala de representação. Depois de acomodados no exíguo auditório os alunos foram informados das regras: “Se vocês não nos ajudarem, não irá acontecer nada. Este espectáculo é interactivo”. Os adolescentes agitaram-se nas cadeiras. Não gostam muito da palavra interactivo. É uma palavra que os retira da passividade escolástica a que o sistema de ensino os habituou. Quando vêem entrar os actores ao som da música de Piazzolla respiram de alívio. Os actores falam de coisas que os fazem sorrir. Do crescimento do corpo, do desejo acrescer, do querer tocar e… dessas horríveis borbulhas que são a vergonha da sua cara. A partir de um momento, como uma fotografia, os alunos são levados e reflectir sobre a homossexualidade. São confrontados com o drama de um pai que descobre que o filho tem uma opção sexual diferente. Os alunos intervêm, as opiniões dividem-se, são convidados a discutir em grupo e a mostrarem as suas conclusões. Estão entusiasmados porque finalmente falam, reflectem, e são ouvidos. Os mais audazes mostram um monólogo e são aplaudidos pelos colegas. São levados a sério porque se comportaram com a seriedade que o tema merece. Outro momento mágico, instantâneo fotográfico com figurinos de Klimt e alguma ousadia. Fala-se do querer tocar, do desejo e das regras da protecção. Mais uma vez os alunos discutiram situações de risco em grupo, mais uma vez as mostraram sem falsas moralidades. O brilho no olhar continuou, assim como a pertinência da questão: usar ou não usar preservativo. Pelas respostas pudemos perceber que ainda há um grande sentimento de vergonha em ir comprar preservativos à farmácia. Por outro lado, o uso do preservativo nesta faixa etária é um hábito que, pelo menos a nível teórico, já está implementado. O público deixou de sorrir quando ouviu a personagem da mãe falar com um ar sofrido das portas que a filha impôs entre as duas e que se recusa a abrir. Portas que permanecem fechadas perante as dúvidas, os medos, e mesmo a confissão de uma gravidez adolescente. Os grupos voltam a reunir, os diálogos refazem-se antes da porta ficar fechada, e os educadores podem perceber o conflito, por vezes leve, outras vezes agudo, que continua a existir entre mães e filhas. As soluções para o caso da gravidez passam, na sua maior parte, pela aceitação da situação e pela mudança de vida originada pela vinda de uma criança à vida da rapariga.
O Nexo dos Sexus, com autoria e encenação de Ana Paula Baião, é uma poderosa ferramenta para trabalhar com os adolescentes a educação para a saúde e para os afectos, e um útil termómetro pedagógico que ajuda os professores a perceber como está o estado de saúde e educação sexual dos seus alunos. Concebido a partir do célebre quadro de Klimt O Beijo, o espectáculo, segundo Paula Baião, “retrata o encontro afectivo de dois seres que atravessam uma mesma fase de descoberta, de vários sentimentos, entre eles o enamoramento e o amor.” Esta fase da adolescência é fndamental para o futuro do indivíduo pois, como diz Bouça no seu estudo Madrugada de Lágrimas, “Nesta fase de crescimento definem-se valores próprios que vão nortear todo o projecto de vida que abrangem e reflectem o modo como estas diferentes etapas foram sendo vividas e ultrapassadas. Todo este processo lento, mas nada pacífico, é o tempo em que se move o adolescente e, para o concretizar, precisa de liberdade, limites e confiança.”
Foram com estes três conceitos que os adolescentes das escolas do Algarve têm podido privar, pois os quatro actores – Ana Gabriel, João Jonas, Mário Spencer e Tânia Silva, com a autoridade proporcionada pela maturidade que lhes advém do terreno, foram monitores excelentes e parceiros privilegiados na construção de um espaço de diálogo no qual se pode falar seriamente de sexo e de afectos. É necessária a construção desse espaço efectivo, porque o que aconteceu no nosso país tem sido pouco substancial.
No plano legal, assistimos à produção de legislação cujo objecto foi a educação sexual. Foi o caso da Lei 3/84, da Lei 120/99 e do DL 259/2000. No âmbito dessa legislação criaram-se várias iniciativas, como a criação da disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social e a elaboração dos respectivos programas pelo Instituto de Inovação Educacional que integraram uma componente de educação sexual (1990-1991), a criação do Programa de Promoção e Educação para a Saúde que integrou, desde o princípio, a educação sexual como uma das suas vertentes de actuação no âmbito da educação e promoção da saúde a criação do PEPT – Programa Educação para Todos que também integrou a educação sexual como uma das suas componentes, a criação da Rede de Escolas Promotoras de Saúde e o estabelecimento da sua comissão coordenadora, a realização do Projecto Experimental “Educação sexual e promoção da saúde nas escolas” pelo PPES e pela APF com o apoio técnico do Ministério da Saúde (1995-1998), a publicação do “Plano de acção Inter-ministerial para a educação sexual e planeamento familiar” (Outubro de 1998) a inclusão parcial da educação sexual nos documentos orientadores do ensino básico a elaboração e posterior publicação em 2000 do documento “Linhas Orientadoras de Educação Sexual em Meio Escolar” (1998-2000) a celebração do protocolo com a APF em Outubro de 2000 e com o MDV e a FFCS em Dezembro de 2003 o envolvimento activo da CCPES na promoção da educação sexual no âmbito da educação para a saúde, sobretudo nos anos lectivos de 2000/2001 e 2001/2002.
Para além destes progressos, e segundo dados da Associação para o Planeamento Familiar, foi ministrada formação em educação sexual a centenas ou mesmo milhares de professores quer pelas estruturas centrais do ME, sobretudo o DEB (Departamento de Ensino Básico) e a CCPES, quer pelos centros acreditados para a formação contínua de professores, entre os quais a APF, quer nos cursos de formação inicial de professores e na formação pós graduada promovida por algumas universidades e escolas superiores de educação.
No entanto, e em sentido inverso a estas dinâmicas, em 2002/2003 iniciou-se um processo de desmantelamento da CCPES e o Estado pareceu preferir delegar nas ONG uma obrigação que lhe cabia fundamentalmente, demitindo-se de ter uma política activa nesta área. Mesmo assim, não foi posto em causa o quadro legal existente, nem foram produzidos novos documentos legais ou quaisquer orientações curriculares nestas matérias.
No entanto, apesar de todas estas iniciativas e de todo este esforço institucional, continua a falar-se muito pouco de educação sexual nas aulas. Valha-nos o Teatro e valham-nos estes criativos algarvios que, no seu esforço de ampararem os adolescentes, amparam também os seus formadores.
Os olhares dos adolescentes inquietavam-se quando a equipa da ACTA os dividia em grupos de género mistos antes de entrarem na sala de representação. Depois de acomodados no exíguo auditório os alunos foram informados das regras: “Se vocês não nos ajudarem, não irá acontecer nada. Este espectáculo é interactivo”. Os adolescentes agitaram-se nas cadeiras. Não gostam muito da palavra interactivo. É uma palavra que os retira da passividade escolástica a que o sistema de ensino os habituou. Quando vêem entrar os actores ao som da música de Piazzolla respiram de alívio. Os actores falam de coisas que os fazem sorrir. Do crescimento do corpo, do desejo acrescer, do querer tocar e… dessas horríveis borbulhas que são a vergonha da sua cara. A partir de um momento, como uma fotografia, os alunos são levados e reflectir sobre a homossexualidade. São confrontados com o drama de um pai que descobre que o filho tem uma opção sexual diferente. Os alunos intervêm, as opiniões dividem-se, são convidados a discutir em grupo e a mostrarem as suas conclusões. Estão entusiasmados porque finalmente falam, reflectem, e são ouvidos. Os mais audazes mostram um monólogo e são aplaudidos pelos colegas. São levados a sério porque se comportaram com a seriedade que o tema merece. Outro momento mágico, instantâneo fotográfico com figurinos de Klimt e alguma ousadia. Fala-se do querer tocar, do desejo e das regras da protecção. Mais uma vez os alunos discutiram situações de risco em grupo, mais uma vez as mostraram sem falsas moralidades. O brilho no olhar continuou, assim como a pertinência da questão: usar ou não usar preservativo. Pelas respostas pudemos perceber que ainda há um grande sentimento de vergonha em ir comprar preservativos à farmácia. Por outro lado, o uso do preservativo nesta faixa etária é um hábito que, pelo menos a nível teórico, já está implementado. O público deixou de sorrir quando ouviu a personagem da mãe falar com um ar sofrido das portas que a filha impôs entre as duas e que se recusa a abrir. Portas que permanecem fechadas perante as dúvidas, os medos, e mesmo a confissão de uma gravidez adolescente. Os grupos voltam a reunir, os diálogos refazem-se antes da porta ficar fechada, e os educadores podem perceber o conflito, por vezes leve, outras vezes agudo, que continua a existir entre mães e filhas. As soluções para o caso da gravidez passam, na sua maior parte, pela aceitação da situação e pela mudança de vida originada pela vinda de uma criança à vida da rapariga.
O Nexo dos Sexus, com autoria e encenação de Ana Paula Baião, é uma poderosa ferramenta para trabalhar com os adolescentes a educação para a saúde e para os afectos, e um útil termómetro pedagógico que ajuda os professores a perceber como está o estado de saúde e educação sexual dos seus alunos. Concebido a partir do célebre quadro de Klimt O Beijo, o espectáculo, segundo Paula Baião, “retrata o encontro afectivo de dois seres que atravessam uma mesma fase de descoberta, de vários sentimentos, entre eles o enamoramento e o amor.” Esta fase da adolescência é fndamental para o futuro do indivíduo pois, como diz Bouça no seu estudo Madrugada de Lágrimas, “Nesta fase de crescimento definem-se valores próprios que vão nortear todo o projecto de vida que abrangem e reflectem o modo como estas diferentes etapas foram sendo vividas e ultrapassadas. Todo este processo lento, mas nada pacífico, é o tempo em que se move o adolescente e, para o concretizar, precisa de liberdade, limites e confiança.”
Foram com estes três conceitos que os adolescentes das escolas do Algarve têm podido privar, pois os quatro actores – Ana Gabriel, João Jonas, Mário Spencer e Tânia Silva, com a autoridade proporcionada pela maturidade que lhes advém do terreno, foram monitores excelentes e parceiros privilegiados na construção de um espaço de diálogo no qual se pode falar seriamente de sexo e de afectos. É necessária a construção desse espaço efectivo, porque o que aconteceu no nosso país tem sido pouco substancial.
No plano legal, assistimos à produção de legislação cujo objecto foi a educação sexual. Foi o caso da Lei 3/84, da Lei 120/99 e do DL 259/2000. No âmbito dessa legislação criaram-se várias iniciativas, como a criação da disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social e a elaboração dos respectivos programas pelo Instituto de Inovação Educacional que integraram uma componente de educação sexual (1990-1991), a criação do Programa de Promoção e Educação para a Saúde que integrou, desde o princípio, a educação sexual como uma das suas vertentes de actuação no âmbito da educação e promoção da saúde a criação do PEPT – Programa Educação para Todos que também integrou a educação sexual como uma das suas componentes, a criação da Rede de Escolas Promotoras de Saúde e o estabelecimento da sua comissão coordenadora, a realização do Projecto Experimental “Educação sexual e promoção da saúde nas escolas” pelo PPES e pela APF com o apoio técnico do Ministério da Saúde (1995-1998), a publicação do “Plano de acção Inter-ministerial para a educação sexual e planeamento familiar” (Outubro de 1998) a inclusão parcial da educação sexual nos documentos orientadores do ensino básico a elaboração e posterior publicação em 2000 do documento “Linhas Orientadoras de Educação Sexual em Meio Escolar” (1998-2000) a celebração do protocolo com a APF em Outubro de 2000 e com o MDV e a FFCS em Dezembro de 2003 o envolvimento activo da CCPES na promoção da educação sexual no âmbito da educação para a saúde, sobretudo nos anos lectivos de 2000/2001 e 2001/2002.
Para além destes progressos, e segundo dados da Associação para o Planeamento Familiar, foi ministrada formação em educação sexual a centenas ou mesmo milhares de professores quer pelas estruturas centrais do ME, sobretudo o DEB (Departamento de Ensino Básico) e a CCPES, quer pelos centros acreditados para a formação contínua de professores, entre os quais a APF, quer nos cursos de formação inicial de professores e na formação pós graduada promovida por algumas universidades e escolas superiores de educação.
No entanto, e em sentido inverso a estas dinâmicas, em 2002/2003 iniciou-se um processo de desmantelamento da CCPES e o Estado pareceu preferir delegar nas ONG uma obrigação que lhe cabia fundamentalmente, demitindo-se de ter uma política activa nesta área. Mesmo assim, não foi posto em causa o quadro legal existente, nem foram produzidos novos documentos legais ou quaisquer orientações curriculares nestas matérias.
No entanto, apesar de todas estas iniciativas e de todo este esforço institucional, continua a falar-se muito pouco de educação sexual nas aulas. Valha-nos o Teatro e valham-nos estes criativos algarvios que, no seu esforço de ampararem os adolescentes, amparam também os seus formadores.
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