Thursday, August 16, 2007

Brincar aos comediantes


E se a meio do espectáculo me der uma branca? O que é que eu faço? É da relação do actor como público que trata o espectáculo Stand-up Tragedy. Um momento insólito apresentado no CAPa que consegue baralhar o público.
O comediante chega ao palco e começa a fazer o seu trabalho. Faz rir. Utiliza temas politicamente incorrectos, segue o padrão de comédia da moda e vai obtendo resultados. Fala de Portugal, da tragédia, da morte, e da tragédia em que Portugal se tornou. Fala sobre as relações de Portugal com o exterior, fala sobre o seu passado, brinca coma suposta destruição do Politeama e de um certo estilo de teatro mais virado para o sucesso popular. Conta anedotas. O público vai aderindo, rindo timidamente. Algumas vezes entusiasticamente. A páginas tantas o actor detém-se a meio de uma anedota. Pára, tenta voltar a trás, bebe um copo de água, dois copos de água e diz: “meus senhores, o espectáculo acabou. Não consigo prosseguir. Quem quiser, eu devolvo o dinheiro do bilhete.” O público fica e o actor, Tiago Rodrigues, trata de explicar que este espectáculo não tem nada a ver com aquelas coisas modernas de teatro dentro do teatro e outras que tais. O público resiste, impávido, expectante. Sabe que o espectáculo não acabou, apesar de, durante cerca de dez minutos o actor mostrar um ar de sofrimento e embaraço. O alívio vem do jogo do actor com o foco de luz, que o persegue, promovendo um diálogo cénico interessante. A segunda parte do espectáculo mostra uma brincadeira ao estilo psicanalítico, em que o actor /analisado responde perante si próprio e perante o analista por que é que faz rir, quando começou a fazer rir, qual o sentido de tudo isso. Uma segunda parte em que a mensagem se prende com a necessidade de esquecer para poder continuar a viver. Esquecer os cães abandonados, a fome no mundo, a morte dos amigos. Apesar da prestação convincente de Tiago Rodrigues o argumento pseudo moralista falha porque não se ajusta à personagem. No final há uma sensação de incompletude que Pirandello teria sabido preencher. Mas no trágico Portugal contemporâneo, com nos recorda o tempo todo o texto, o problema não são os actores, são mesmo os argumentistas, problema a que não é alheio este espectáculo. Qual era o objectivo deste espectáculo? Pôr o público a pensar? Em quê? Nas brancas dos actores? Não, isso seria fácil de mais. Nas motivações dos actores? Não, isso seria demasiado aborrecido. A fome no mundo? Não, isso já não faz pensar ninguém. No que temos de esquecer para continuar a viver? Quem já não sabe isso? Então para quê? Pela presunção de se ter encontrado uma maneira de apresentar um espectáculo totalmente inovadora? Bem, nesta altura já não se pode ter o snobismo de se ser absolutamente original. Para mostrar um jovem actor talentoso? Bem, isso talvez. Mas para concretizar tão nobre objectivo não é preciso aborrecer os espectadores ¾ do espectáculo com um texto absolutamente desinteressante. Peter Brook tem razão em chamar a atenção para muitas coisas. Uma delas, que toda a gente envolvida no mundo do teatro deveria reflectir, é que quando o desconforto dos assentos se começa a fazer sentir deveríamos repensar a forma do espectáculo. Porque o diabo é mesmo o aborrecimento.

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