O Festival internacional de Vila Real de Santo António deu a oportunidade ao recém-criado grupo Te-Atrito, sedeado em Faro, a oportunidade de estrear o seu mais recente trabalho: Prometeu Agrilhoado, de Esquilo. Um bom augúrio para um grupo que tem como objectivo dar vida anualmente a uma peça importante da história do Teatro. No presente projecto, Prometeu reviveu e nós, comuns mortais, apiedámo-nos do temeroso semi-deus que nos ofereceu o fogo, por ele roubado aos deuses maiores.
De vez em quando faz parte da nossa necessidade de renovação o voltar aos textos originários da nossa cultura. Quanto mais não seja para percebermos, uma vez mais, que os mitos originários do nosso inconsciente colectivo continuam presentes nas idiossincrasias do homem contemporâneo. Pedro Monteiro, ligado ao teatro há cerca de 20 anos, criador de grupos como os Tretas, originários da Escola Secundária João de Deus em Faro, entrou nesta aventura de criação de um grupo autónomo, profissional, liberto dos grilhões da pedagogia escolar ou de subsídios para se assumir com a sua estética alternativa e singular.
O espectáculo que nos foi dado assistir no ARPA – Festival Artes de Palco de VRSA foi um trabalho fruto de um amadurecimento de actores que convivem com uma cumplicidade de longa data. Assistimos a um respeito pela palavra, pelo texto de Esquilo, promovendo ao mesmo tempo uma leitura de múltiplos sentidos e significados.
Prometeu, figura da mitologia grega, é filho de uma das muitas filhas de Posídon e irmão de Atlas e de Epimeteu. Foi admitido no Olimpo por ter ajudado Zeus na luta contra os titãs, embora não tivesse prestado esse auxílio com entusiasmo, o que descontentou o senhor dos raios. Durante a sua permanência no Olimpo, foi sempre um defensor do género humano: salvou-nos do dilúvio desencadeado por Zeus para nos castigar. Deu-nos conhecimento do fogo e ensinou-nos a aritmética, o alfabeto, a navegação, a medicina, o emprego dos metais, a domesticação dos animais, a adivinhação do futuro pelo voo das aves e pelas entranhas dos animais; deu-nos também conhecimento da noção de tempo e do uso da astúcia e da razão, em vez da força bruta. E chegou mesmo a roubar do céu o fogo sagrado, que estava à guarda de Hefesto, deus do fogo, para nos dar vida que ele próprio ia formando do lodo da terra.
Zeus, agastado pelo abuso dos poderes em que Prometeu tinha sido investido, ordenou a Hefesto que o amarrasse com uma forte cadeia de ferro a um rochedo alto do Cáucaso e que uma ave de rapina lhe devorasse continuamente o fígado, que sempre renascia.
A encenação de Pedro Monteiro assenta na desmultiplicação dos actores, permitindo aos quatro actores a representação de todas as figuras da tragédia de Esquilo. Assumindo a caixa negra como matriz geradora da representação, adoptando uma luz pobre em efeitos, Prometeu assume a figura de mártir castigado pela sua generosidade, agrilhoado no cimo do Cáucaso. Muito interessante o recurso às cadeias de luz que Prometeu sofre ao princípio, quando está a ser agrilhoado ao rochedo. A esfera, símbolo de perfeição para os gregos, conforme foi profusamente descrito desde Parménides a Platão, evidencia a mestria das cadeias inquebráveis, transformando-se no espelho visionário do oráculo premonitor da queda de Zeus, do destino de Io.
A figura de Prometeu evoca-nos várias outras figuras martirizadas, uma delas, geradora de fundamentos da cultura ocidental e de uma culpa atormentada por uma martirização voluntária para ajudar a humanidade. Outra, a de Antígona, martirizada por cumprir o seu destino mas sofrendo a sua desdita, culpando apenas o tirano e libertando a humanidade. Todos esses mártires sofreram sozinhos a sua desdita, não beneficiando de qualquer auxílio que pudesse apaziguar as suas mágoas. Neste espectáculo a figura de Prometeu evoca-nos naturalmente a figura de Antígona, revisitada por Maria Zambrano e trazida a cena pela ACTA, interpretada pela inesquecível Joana e dirigida por Luís Vicente.
O acompanhamento de tuba, o instrumento que simboliza a força das profundezas de Hefestos, é tocada por Marco Ferraze contribui para a assunção da dimensão trágica do mito reescrito por Ésquilo.
No trabalho dos actores, Pedro Monteiro, Marco Ferraz, Rita Leão e Filipa Rei, reconhece-se o trabalho exigente dirigido por Pedro Monteiro que alia a correcta articulação da palavra com a emoção e a destreza corporal.
É possível representar uma tragédia com uma roupagem contemporânea e até com certos apontamentos de humor, como a opção escolhida para a desditosa Io, atormentada por um moscardo devido à ira de Hera.
A opção de suspender o clássico coro, assumindo as suas falas para as personagens resulta pela economia de cena que transparece, contribuindo para o dinamismo do espectáculo.
Um excelente espectáculo, limpo, sério, com excelentes interpretações que faz antecipar de desejo a próxima produção de te-atrito.
De vez em quando faz parte da nossa necessidade de renovação o voltar aos textos originários da nossa cultura. Quanto mais não seja para percebermos, uma vez mais, que os mitos originários do nosso inconsciente colectivo continuam presentes nas idiossincrasias do homem contemporâneo. Pedro Monteiro, ligado ao teatro há cerca de 20 anos, criador de grupos como os Tretas, originários da Escola Secundária João de Deus em Faro, entrou nesta aventura de criação de um grupo autónomo, profissional, liberto dos grilhões da pedagogia escolar ou de subsídios para se assumir com a sua estética alternativa e singular.
O espectáculo que nos foi dado assistir no ARPA – Festival Artes de Palco de VRSA foi um trabalho fruto de um amadurecimento de actores que convivem com uma cumplicidade de longa data. Assistimos a um respeito pela palavra, pelo texto de Esquilo, promovendo ao mesmo tempo uma leitura de múltiplos sentidos e significados.
Prometeu, figura da mitologia grega, é filho de uma das muitas filhas de Posídon e irmão de Atlas e de Epimeteu. Foi admitido no Olimpo por ter ajudado Zeus na luta contra os titãs, embora não tivesse prestado esse auxílio com entusiasmo, o que descontentou o senhor dos raios. Durante a sua permanência no Olimpo, foi sempre um defensor do género humano: salvou-nos do dilúvio desencadeado por Zeus para nos castigar. Deu-nos conhecimento do fogo e ensinou-nos a aritmética, o alfabeto, a navegação, a medicina, o emprego dos metais, a domesticação dos animais, a adivinhação do futuro pelo voo das aves e pelas entranhas dos animais; deu-nos também conhecimento da noção de tempo e do uso da astúcia e da razão, em vez da força bruta. E chegou mesmo a roubar do céu o fogo sagrado, que estava à guarda de Hefesto, deus do fogo, para nos dar vida que ele próprio ia formando do lodo da terra.
Zeus, agastado pelo abuso dos poderes em que Prometeu tinha sido investido, ordenou a Hefesto que o amarrasse com uma forte cadeia de ferro a um rochedo alto do Cáucaso e que uma ave de rapina lhe devorasse continuamente o fígado, que sempre renascia.
A encenação de Pedro Monteiro assenta na desmultiplicação dos actores, permitindo aos quatro actores a representação de todas as figuras da tragédia de Esquilo. Assumindo a caixa negra como matriz geradora da representação, adoptando uma luz pobre em efeitos, Prometeu assume a figura de mártir castigado pela sua generosidade, agrilhoado no cimo do Cáucaso. Muito interessante o recurso às cadeias de luz que Prometeu sofre ao princípio, quando está a ser agrilhoado ao rochedo. A esfera, símbolo de perfeição para os gregos, conforme foi profusamente descrito desde Parménides a Platão, evidencia a mestria das cadeias inquebráveis, transformando-se no espelho visionário do oráculo premonitor da queda de Zeus, do destino de Io.
A figura de Prometeu evoca-nos várias outras figuras martirizadas, uma delas, geradora de fundamentos da cultura ocidental e de uma culpa atormentada por uma martirização voluntária para ajudar a humanidade. Outra, a de Antígona, martirizada por cumprir o seu destino mas sofrendo a sua desdita, culpando apenas o tirano e libertando a humanidade. Todos esses mártires sofreram sozinhos a sua desdita, não beneficiando de qualquer auxílio que pudesse apaziguar as suas mágoas. Neste espectáculo a figura de Prometeu evoca-nos naturalmente a figura de Antígona, revisitada por Maria Zambrano e trazida a cena pela ACTA, interpretada pela inesquecível Joana e dirigida por Luís Vicente.
O acompanhamento de tuba, o instrumento que simboliza a força das profundezas de Hefestos, é tocada por Marco Ferraze contribui para a assunção da dimensão trágica do mito reescrito por Ésquilo.
No trabalho dos actores, Pedro Monteiro, Marco Ferraz, Rita Leão e Filipa Rei, reconhece-se o trabalho exigente dirigido por Pedro Monteiro que alia a correcta articulação da palavra com a emoção e a destreza corporal.
É possível representar uma tragédia com uma roupagem contemporânea e até com certos apontamentos de humor, como a opção escolhida para a desditosa Io, atormentada por um moscardo devido à ira de Hera.
A opção de suspender o clássico coro, assumindo as suas falas para as personagens resulta pela economia de cena que transparece, contribuindo para o dinamismo do espectáculo.
Um excelente espectáculo, limpo, sério, com excelentes interpretações que faz antecipar de desejo a próxima produção de te-atrito.
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