Este ano comemorou-se a efeméride do nascimento de António José da Silva. 300 anos nos separam desse dramaturgo mordaz e cáustico, que acabou nas fogueiras da inquisição, fruto de outros tempos menos tolerantes. Faro Capital Nacional da Cultura assinalou a data com a apresentação de três espectáculos ao longo do ano, culminando num ciclo de conferências sobre o autor na Universidade do Algarve.
Que delito fiz eu para que sintao peso desta aspérrima cadeianos horrores de um cárcere penosoem cuja triste, lôbrega moradahabita a confusão e o susto mora?Mas se acaso, tirana, estrela ímpia,é culpa o não ter culpa, eu culpa tenho.Mas se a culpa que tenho não é culpa,para que me usurpais com impiedadeo crédito, a esposa e a liberdade?
Estas foram palavras de António José da Silva, num dos seus momentos de injusto cárcere, acusado de heresia e impiedade. Nascido no Brasil em 1705, foi obrigado a viajar para Portugal devido a uma acusação de prática de judaísmo contra sua mãe. Cá prosseguiu estudo em Direito e escreve a ópera para bonifrates (os bonecos manipulados da época) As Aventuras do Grande D. Quixote e do Gordo Sancho Pança. Esse espectáculo chegou a ser recriado e levado a cena aqui no Algarve em 1996, quando o grupo Sin-Cera, encenado por Pedro Wilson, ainda fazia trabalhos de qualidade. António José da Silva foi condenado à morte pela Santa Inquisição em Outubro de 1739. Com uma profícua criação, o Judeu, não chegou a ver a sua obra ser editada em dois volumes em 1744. Dela constam, para além da amplamente conhecida Guerras do Alecrim e da Manjerona, trabalhos como Anfitrião, trazido ao Algarve em Junho pelo Teatro de Papel, Os Encantos de Medeia, estreado em Lagoa pelo Teatro Nacional de S. João, e Esopaida, trazida a Faro no final de Novembro pela Cornucópia.
Nestes três trabalhos, trazidos ao Algarve através de Faro Capital da Cultura, consegue perceber-se uma ligação tanto ao nível temático, - o recurso à mitologia greco-romana - como ao nível do género, a comédia, como ainda ao nível da denúncia de costumes que urgia denunciar. No primeiro espectáculo, Anfitrião, encenado e adaptado por José Coutinhas e Marcelo Lafontana, o tema é o da comédia de enganos, pois Júpiter apaixona-se por uma mulher virtuosa e tenta enganá-la de maneira a poder dormir com ela. No final todos são perdoados e, desse engano, nasce Hércules, o famoso herói. A adaptação ao teatro de papel foi digna de registo, embora tivesse tido uma duração muito para além do aceitável. O espectáculo Os Encantos de Medeia, encenado por João Paulo Seara Cardoso e estreado dia 5 de Agosto em Lagoa, resulta de um texto que segundo alguns especialistas, é o que “melhor encarna o espírito do teatro barroco. A recorrência a um tema mitológico, a exuberância visual dos lugares, a forte caracterização dos personagens, a intriga desenvolvida em dois planos, o do mundo sobrenatural e o do mundo real, constituem marcas de uma engenhosa escrita teatral que consegue o prodígio de transformar em comédia uma das mais impressionantes tragédias do teatro grego. Claro que, ao contrário da obra prima de Eurípides, tudo acaba bem, sobretudo no plano dos ajustes de contas amorosos, e os episódios “terríveis” da tragédia, como o da morte dos filhos de Medeia são omitidos, até porque fora do tempo de acção, que aqui se limita à estadia de Jasão e dos Argonautas na ilha de Colcos, com o fim de roubar o Velo de Ouro.” Este espectáculo também teve por base a manipulação excelente de marionetas gigantes, podendo dizer-se que o espectáculo valeu pela exuberância visual que os bonecos proporcionaram.
Finalmente, o espectáculo Esopaida, ou Vida de Esopo, trazido a Faro no final de Novembro pela Cornucópia, não apresentou o texto através dos bonifrates, apresentando antes uma encenação em que as personagnes nos reportavam a esse universo. O facto de na boca de cena do palco estarem suspensas uma série de cordas conduziam o imaginário do espectador às caixinhas mágicas onde se operam os Bonecos de Santo Aleixo. O espectáculo Esopaida, encenado por Luís Miguel Cintra, que já há muito tempo não vinha ao Algarve, (desde 1974 com o Terror e Miséria no III Reich, ainda com Silva Melona Cornucópia), apresenta-nos uma Cornucópia divertida sustentando um fabuloso texto sobre as virtudes da retórica e a utilidade da profissão de filósofo. O cenário grandioso, como nos tem habituado os trabalhos de Cristina Reis, impõe-se, tornando-se versátil às subtilezas do texto. Com algumas soluções cénicas muito divertidas e bem conseguidas, não conseguiu, no entanto, manter o público de Faro completamente acordado durante as três horas de espectáculo.
A encerrar este ciclo de homenagens ao autor a quem apelidaram de Judeu, foi organizado um ciclo de conferências na Universidade do Algarve onde se puderam assistir a palestras sobre “A Vida Musical em Lisboa no Tempo de António José da Silva” por Manuel Carlos Brito, “"Amantes, Logo Músicos": Da Propriedade nas Óperas de António José da Silva” por José Maria Pedrosa, “A Música do Precipício de Faetonte” por Filipe de Sousa, “Imagens Barrocas do Teatro de O Judeu: Um Restauro Aventuroso” por Maria João Brilhante, “António Sacchi e o Teatro em Portugal” por Maria João Almeida, e finalmente “O Judeu no Xadrez Teatral Europeu” por José Oliveira Barata.
Que delito fiz eu para que sintao peso desta aspérrima cadeianos horrores de um cárcere penosoem cuja triste, lôbrega moradahabita a confusão e o susto mora?Mas se acaso, tirana, estrela ímpia,é culpa o não ter culpa, eu culpa tenho.Mas se a culpa que tenho não é culpa,para que me usurpais com impiedadeo crédito, a esposa e a liberdade?
Estas foram palavras de António José da Silva, num dos seus momentos de injusto cárcere, acusado de heresia e impiedade. Nascido no Brasil em 1705, foi obrigado a viajar para Portugal devido a uma acusação de prática de judaísmo contra sua mãe. Cá prosseguiu estudo em Direito e escreve a ópera para bonifrates (os bonecos manipulados da época) As Aventuras do Grande D. Quixote e do Gordo Sancho Pança. Esse espectáculo chegou a ser recriado e levado a cena aqui no Algarve em 1996, quando o grupo Sin-Cera, encenado por Pedro Wilson, ainda fazia trabalhos de qualidade. António José da Silva foi condenado à morte pela Santa Inquisição em Outubro de 1739. Com uma profícua criação, o Judeu, não chegou a ver a sua obra ser editada em dois volumes em 1744. Dela constam, para além da amplamente conhecida Guerras do Alecrim e da Manjerona, trabalhos como Anfitrião, trazido ao Algarve em Junho pelo Teatro de Papel, Os Encantos de Medeia, estreado em Lagoa pelo Teatro Nacional de S. João, e Esopaida, trazida a Faro no final de Novembro pela Cornucópia.
Nestes três trabalhos, trazidos ao Algarve através de Faro Capital da Cultura, consegue perceber-se uma ligação tanto ao nível temático, - o recurso à mitologia greco-romana - como ao nível do género, a comédia, como ainda ao nível da denúncia de costumes que urgia denunciar. No primeiro espectáculo, Anfitrião, encenado e adaptado por José Coutinhas e Marcelo Lafontana, o tema é o da comédia de enganos, pois Júpiter apaixona-se por uma mulher virtuosa e tenta enganá-la de maneira a poder dormir com ela. No final todos são perdoados e, desse engano, nasce Hércules, o famoso herói. A adaptação ao teatro de papel foi digna de registo, embora tivesse tido uma duração muito para além do aceitável. O espectáculo Os Encantos de Medeia, encenado por João Paulo Seara Cardoso e estreado dia 5 de Agosto em Lagoa, resulta de um texto que segundo alguns especialistas, é o que “melhor encarna o espírito do teatro barroco. A recorrência a um tema mitológico, a exuberância visual dos lugares, a forte caracterização dos personagens, a intriga desenvolvida em dois planos, o do mundo sobrenatural e o do mundo real, constituem marcas de uma engenhosa escrita teatral que consegue o prodígio de transformar em comédia uma das mais impressionantes tragédias do teatro grego. Claro que, ao contrário da obra prima de Eurípides, tudo acaba bem, sobretudo no plano dos ajustes de contas amorosos, e os episódios “terríveis” da tragédia, como o da morte dos filhos de Medeia são omitidos, até porque fora do tempo de acção, que aqui se limita à estadia de Jasão e dos Argonautas na ilha de Colcos, com o fim de roubar o Velo de Ouro.” Este espectáculo também teve por base a manipulação excelente de marionetas gigantes, podendo dizer-se que o espectáculo valeu pela exuberância visual que os bonecos proporcionaram.
Finalmente, o espectáculo Esopaida, ou Vida de Esopo, trazido a Faro no final de Novembro pela Cornucópia, não apresentou o texto através dos bonifrates, apresentando antes uma encenação em que as personagnes nos reportavam a esse universo. O facto de na boca de cena do palco estarem suspensas uma série de cordas conduziam o imaginário do espectador às caixinhas mágicas onde se operam os Bonecos de Santo Aleixo. O espectáculo Esopaida, encenado por Luís Miguel Cintra, que já há muito tempo não vinha ao Algarve, (desde 1974 com o Terror e Miséria no III Reich, ainda com Silva Melona Cornucópia), apresenta-nos uma Cornucópia divertida sustentando um fabuloso texto sobre as virtudes da retórica e a utilidade da profissão de filósofo. O cenário grandioso, como nos tem habituado os trabalhos de Cristina Reis, impõe-se, tornando-se versátil às subtilezas do texto. Com algumas soluções cénicas muito divertidas e bem conseguidas, não conseguiu, no entanto, manter o público de Faro completamente acordado durante as três horas de espectáculo.
A encerrar este ciclo de homenagens ao autor a quem apelidaram de Judeu, foi organizado um ciclo de conferências na Universidade do Algarve onde se puderam assistir a palestras sobre “A Vida Musical em Lisboa no Tempo de António José da Silva” por Manuel Carlos Brito, “"Amantes, Logo Músicos": Da Propriedade nas Óperas de António José da Silva” por José Maria Pedrosa, “A Música do Precipício de Faetonte” por Filipe de Sousa, “Imagens Barrocas do Teatro de O Judeu: Um Restauro Aventuroso” por Maria João Brilhante, “António Sacchi e o Teatro em Portugal” por Maria João Almeida, e finalmente “O Judeu no Xadrez Teatral Europeu” por José Oliveira Barata.
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