Thursday, August 16, 2007

O fantasma da rotina


À ACTA coube a tarefa de organizar um evento realmente estruturante tanto para o Algarve como para outras regiões periféricas e esquecidas do nosso país. Um encontro de companhias de teatro que sobrevivem fora dos grandes centros e lutam contra essa dificuldade que lhes foi imposta por uma geografia adversa. Um encontro que se vai desenvolver ao longo de 15 dias em Faro e que não se limita a mostrar o que se faz em Braga, Coimbra, Évora, Gosende, nas Beiras ou no Algarve. Este é um encontro onde a preocupação é também ensinar a olhar para o teatro e a servirmo-nos dele como ferramenta para a vida. Deste encontro fica o primeiro jornal das Companhias de Teatro Descentralizadas e uma oficina de formação para professores, a realizar amanhã, dia 21. Um jornal onde se apontam os graves problemas com que estas companhias se deparam e que todos os agentes culturais deveriam estudar. Um encontro onde se irão estrear duas produções: a da ACTA e a do teatro da Serra de Montemuro. Desocultando um pouco o que se irá passar no dia 22, onde a ACTA fará a sua primeira apresentação em ante-estreia do espectáculo Os Fantasmas do Homem do Talho, de Vítor Haïm, podemos dizer que esta produção é uma comédia amarga que nos surpreende. A surpresa não advém da qualidade dos actores, (Glória Fernandes, Luís de A. Miranda e Afonso Dias) que o Algarve já se tem habituado a apreciar. Também não advirá da mão experiente na direcção de Paulo Moreira que já encontrou a sua linha de encenação e a trabalha com rigor. Advém de um texto que brinca com os fantasmas de todos os casais que estão à beira de uma crise. A crise aparece e a rotina, ré de homicídio qualificado, é condenada a qualquer preço. O texto de Vítor Haïm escarnece dessas falsas soluções quando a diferença entre o amor e a indiferença se esbatem em matizes temporais indefinidos. Salvar uma relação a qualquer preço pode significar a sua morte prematura e o cutelo oscila impiedosamente entre o sair, o voltar, o perdoar ou o esquecer. De uma amargura sarcástica, o texto consegue divertir, ludibriando-nos a todo o momento com instantes oníricos e de inspiração Pirandelleana. O cenário depurado com soluções versáteis ao estilo engenhoso de Tó Quintas ajuda a evidenciar o trabalhos dos actores, mais que os figurinos de Esmeralda Bisnoca, de uma banalidade que choca com a sua habitual criatividade, retirando até muita da beleza natural de Glória Fernandes. O espectáculo desenvolve-se no meio de um universo cinzento de cutelos e nevoeiros, onde paradoxalmente o Homem se encontra. Talvez por ser o cinzento o centro de um poderoso campo de forças cromáticas. É desse cinzento que irradiam as revelações mais irreais, gratas ou cruéis. Matando a rotina, o casal descobre novas formas de se relacionar consigo mesmo e com o outro e entra em harmonia, pelo menos até a condenada ressuscitar e causar novo abalo. Um texto inteligente que é acompanhado numa encenação rigorosa e interpretações equilibradas dos três actores. Um espectáculo obrigatório a ver no próximo Sábado, no meio de outros cinco não menos obrigatórios, que a Câmara Municipal de Faro teve o privilégio de acolher no Teatro Lethes.

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