Friday, August 17, 2007

O prazer de ver o teatro meridional



No dia Internacional do Teatro Loulé recebeu o Teatro Meridional com o seu espectáculo Por Detrás do Montes, encenado por Miguel Seabra. O segundo espectáculo do projecto províncias que procura mostrar a singularidade identitária que marca as diferentes regiões de Portugal. Um espectáculo onde a música e o corpo simbólico tiveram os papéis principais.
A voz profunda e humana começou a tomar conta do cineteatro louletano. Vindas de trás dos espectadores, os cantos intensos e penetrantes invadiram o espaço que já tinha a dimensão vibrante da música de Fernando Mota. Depois da música e das vozes os corpos dos actores começaram a tomar conta da cena, sendo por fim pintados pela luz de Miguel Seabra. O espectáculo Por Detrás dos Montes, encenado por Miguel Seabra, tem como referência o distrito de Bragança, no Nordeste Transmontano. Este é um espectáculo em que se sente a contaminação da matriz cultural transmontana. Como afirmou Natália Luiza, responsável pela dramaturgia do espectáculo, “este espectáculo visa falar de nós, saber de nós, aproximar-nos de uma matriz cultural que, embora comum, sempre esteve por detrás do granito dos Montes e que, sendo naturalmente permeável às exigências do mundo, mantém especificidades muito singulares.
Tal como no espectáculo anterior, não tivemos a veleidade de sustentar o trabalho numa recolha de informação antropológica, histórica, narrativa, mas antes deixarmo-nos contaminar por isso tudo e, pela observação sensorial, pelas sonoridades, pela paisagem, pelos sotaques, pela musicalidade, pelos rostos e pelas estórias. Formulámos então, subjectivamente, a forma como fomos tocados pelo Espírito do Lugar. O que escolhemos tornar narrativa cénica, primeiro intuída, e depois encontrada nos corpos e entendimento dos criadores.” Pelo decurso do espectáculo podemos dizer que esta equipa de criadores foi tocado pelo génio do local. Apesar de não utilizar a palavra como o meio privilegiado da comunicação cénica, o espectador tem a possibilidade de penetrar dentro da alma transmontana através da plasticidade do espectáculo. Como adiante Natália Luiza, o espectáculo “Serve-se e constrói-se nos corpos dos actores – aqui múltiplos no serviço da cena, das intenções e dos gestos, da música, da plasticidade do cenário e dos objectos, como que querendo pôr no lugar do palco, a energia guardada no silêncio das pedras. Põem-se e tiram-se as máscaras, para dizermos deste duplo significado que é a possibilidade de sermos mais outro, neste lugar onde o religioso e o profano, a verdade e a mentira, a ausência e o excesso se jogam na vida, tal como nós a jogamos no teatro.
Não tem um tempo diacrónico, antes fragmentado. Mas o espaço da cena é sempre lá, é aí, onde queremos estar, nesta visitação de quem atravessa e olha o lugar dos montes na geografia de quem os habita. Sabemos, porém, que embora queiramos estar e olhar por dentro das coisas, teremos sempre o olhar do visitante, aquele que é estrangeiro ao verdadeiro segredo. E trabalhar sobre o segredo, como conceito inerente à nossa percepção do lugar, foi uma das linhas condutoras da construção deste espectáculo. Porém, no lugar onde a matéria da intimidade se torna comunicação, queremos reafirmar o privilégio que é sentir, ser e interpretar os sinais de um lugar que é também nossa pertença, na geografia, na história e nos genes.”
Para o espectador foi um grato prazer penetrar nos mistérios do linho, da roca, da oração. Ver a oração transformar-se em coro grego e a máscara tornar-se rosto e corpo, pelo efeito da transformação operada pelo imaginário colectivo. Os tons castanhos e ocres das vestem redimensionam o olhar para a agrura das terras transmontanas. Os caretos impuseram-se na celebração festiva que dava origem à punição social. Uma punição que contribuía para a paz social, acabando tudo no baile da celebração do linho. Miguel Seabra disse a propósito desta sua encenação: “Encenar este espectáculo foi encaminhar invisivelmente uma procura colectiva que descobriu e propôs caminhos, que desenhou mapas, que inquietou certezas adquiridas, que alargou horizontes, que rasgou fronteiras e provocou instabilidades.
Foi fazer um percurso pelos segredos Detrás dos Montes e descobrir um sentido de identidade socialmente mais consciente e culturalmente mais humanizado.” Para o espectador, este foi um espectáculo que contribuiu para descobrir o humano que há dentro de si.

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