Thursday, August 16, 2007

Velho palhaço precisa-se


Velho Palhaço Precisa-se, do romeno Matei Visniec, encenado por Figueira Cid, foi uma das propostas teatrais trazidas pela Câmara de Portimão aos Outonos do Teatro. O texto, de um dramaturgo pouco conhecido em Portugal mas amplamente galardoado na Roménia e em França, fala da vida amarga e dura de três palhaços em fim de carreira. Pobres, cheios de maleitas e longe do fulgor da juventude, pelejam para tentarem alcançar o trabalho que lhes restituirá a alegria de viver e a auto-estima há muito perdida. Anteriormente cúmplices e companheiros de profissão, são agora adversários, lutando contra si próprios, num combate entre a lealdade aos companheiros de palco e de estrada e a necessidade de conseguir um trabalho. Os três actores, Carlos Calvo, Celino Penderlico e Rui M. Silva, mostram, através da excelente direcção de Figueira Cid, toda essa luta interior de quem já está no fim de uma carreira efémera mas considera que ainda tem muito para dar. Cada um mostra aos outros os seus novos truques no intuito, não só de impressionar, mas de se sentir ainda como fazendo parte da humanidade. Debaixo dos seus fatos escuros escondem a máscara de quem já anda escondido da sorte há vários anos, sendo esta a oportunidade para voltarem a acreditar na vida. Com Stanislavski como inspiração, os três actores fazem-nos acreditar que são três pobres diabos com mais de 60 anos à procura de um emprego. Ficam felizes com o reencontro mas a necessidade de sobrevivência fala mais alto, tornando-se sarcásticos e mesmo cáusticos nas apreciações que faziam uns para os outros. Três palhaços velhos, sem máscaras, fazem-nos reflectir sobre a condição humana, na medida em que a amizade, o companheirismo e todas as experiências vividas em conjunto são votadas ao desprezo quando o que está em causa é a luta pela sobrevivência. Estes três homens, brincando ao faz de conta intermeando com momentos da mais pura verdade fazem-nos contudo acreditar que, apesar de todas as ambições há um fundo de solidariedade que permanece quando alguém precisa mesmo do seu amigo. A cenografia simples deixa o texto respirar por entre a transpiração dos actores. Adequada, com inspiração nos grafittis e nas manchas de humidade dos escritórios mal afamados, inspira no espectador a atmosfera lúgubre que se adequa ao inesperado encontro entre os três homens. A luz tornada possível na pequena e inadequada sala dos cinemas de Portimão varia entre a penumbra, a claridade ou a escuridão total. De realçar momento em que os homens se aquecem ao calor de uma fogueira: tecnicamente muito bem conseguido. O espectáculo, apesar de ser amargo e algo desconcertante no final, diverte o público, que se vai inteirando dos novos truques dos palhaços, conseguindo descomprimir toda a carga dramática provocada pela intromissão na vida trágica dos três homens. O suporte musical, dirigido por Octávio Martins, conduz-nos à tragicidade da condição humana. O final pareceu falsamente optimista, sendo mais verdadeira a saída dos dois amigos após a morte inusitada do terceiro. No global, Velho Palhaço Precisa-se é um espectáculo consistente que consegue agarrar o público provocando-lhe diversas emoções ao longo da representação. A brochura de apoio ao espectáculo, apoiada no bom gosto, reflecte bem aquilo que se pode esperar deste grupo: a bruxa Teatro é certamente uma das lufadas de ar fresco que se esperam há muito tempo do distrito de Évora. Com um programa gerido rigor e profissionais sérios, a Bruxa Teatro irá com certeza impor-se como um dos grupos descentralizados de referência nas próximas décadas.

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