Quando se anuncia um espectáculo que consta de um monólogo sobre os imigrantes de Leste talvez seja legítimo pensar-se: oh não, mais um espectáculo a puxar para o faduncho a falar do triste destino dos deserdados da sorte. Quem assistiu ao desempenho de Natasha Marjanovic na noite de 7 de Janeiro pôde verificar que esta conjectura não correspondia à realidade e partilhar com esta actriz as mais diversas emoções. Quem assistiu a este espectáculo conseguiu divertir-se, emocionar-se, condoer-se, solidarizar-se, sem cair na lágrima fácil ou na emoção de pacotilha. Vento Leste é um espectáculo que emociona na sua simplicidade.
Natasha Marjanovic viveu uma infância feliz na ex-Jugoslávia, governada pela general Tito. Formou-se na Escola Superior de Teatro de Belgrado, onde criou a sua própria companhia. Foge aos horrores da guerra da Bósnia e veio para Portugal, pois tinha ouvido “falar de Lisboa, uma cidade romântica, gostam de vinho, comem muito marisco, não há guerra há tantos anos.” E em Portugal, aquela mulher, dona de uma presença em palco que domina e de uma voz soberba, começa a trabalhar num bar irlandês, antes de ultrapassar a barreira da nossa língua. Tudo isto nos contou, temperado com o sentido de humor sui-generis dos povos de Leste, através dos seus olhos verdes de criança grande. E enlevados pela energia e força daquela mulher rimo-nos quando reconhecemos que “O café em Portugal não é uma bebida mas sim, um culto, uma seita, uma religião…” E que para ser ser aceite como bom português se tem de frequentar o mesmo café duas vezes por dia pelo menos durante dois anos, ostentando um ar sorumbático murmurando qualquer coisa que o empregado, ao balcão, adivinha só pela expressão. Salivámos com a receita da Moussaka, dramatizada com todos os pormenores e não fomos capazes de deixar de nos comover com a oferta inesperada do Senhor Joaquim, o porteiro do prédio, que lhe ofereceu um saco cheio de cerejas com os votos de “Bem vindos a Portugal.” Natasha já consegue comunicar num português correcto, uma língua que ela considera muito bonita. Mas se as palavras lhe faltassem sobravam-lhe os olhos vivos, luminosos, que falam connosco o tempo todo. Através dos olhos de Natasha vimos o seu mundo: como era o seu apartamento quando se instalou em Lisboa: um colchão, um jogo de xadrez, um cd-player. Vimos as montanhas guardiãs da cidade onde cresceu. Vimos os lagos e os rios das suas caminhas enquanto escuteira. Vimos as multidões a aplaudirem o general Tito. As paixões, os planos para casar. Vimos a guerra e a incapacidade de compreender como é que um povo que cresceu junto de repente pegou em armas e se virou contra si próprio. Irmão contra cunhado, avô contra avô, vizinho contra vizinho. Esta mulher conta-nos todas estas histórias de vida, idênticas às de milhares de jovens nascidos na ex-jugoslávia com uma força que nos permite acreditar ser possível recomeçar em cada momento da vida. E que, à excepção de uma lágrima de mãe que cai na nossa mão, não há nada de tão terrível que nos permita desistir.
Para além do sol e do brilho da lua, Natasha reencontrou em Portugal a sua carreira de actriz. Desde 2001 que escreve, encena e leva a cena espectáculos. Trabalha regularmente com crianças e é um exemplo de como a força e a determinação conseguem vencer num mundo nem sempre justo.
Encenado por José Carlos Garcia, com dramaturgia de Beatriz Quintella, Vento Leste, produzido pelo grupo de teatro Planeta Maravilha, é uma dádiva e uma lição de vida que Natasha Marjanovic generosamente nos oferece através do seu talento e da sua beleza. Uma lição de como se pode aliviar o peso da tragédia e transformá-la em esperança.
Natasha Marjanovic viveu uma infância feliz na ex-Jugoslávia, governada pela general Tito. Formou-se na Escola Superior de Teatro de Belgrado, onde criou a sua própria companhia. Foge aos horrores da guerra da Bósnia e veio para Portugal, pois tinha ouvido “falar de Lisboa, uma cidade romântica, gostam de vinho, comem muito marisco, não há guerra há tantos anos.” E em Portugal, aquela mulher, dona de uma presença em palco que domina e de uma voz soberba, começa a trabalhar num bar irlandês, antes de ultrapassar a barreira da nossa língua. Tudo isto nos contou, temperado com o sentido de humor sui-generis dos povos de Leste, através dos seus olhos verdes de criança grande. E enlevados pela energia e força daquela mulher rimo-nos quando reconhecemos que “O café em Portugal não é uma bebida mas sim, um culto, uma seita, uma religião…” E que para ser ser aceite como bom português se tem de frequentar o mesmo café duas vezes por dia pelo menos durante dois anos, ostentando um ar sorumbático murmurando qualquer coisa que o empregado, ao balcão, adivinha só pela expressão. Salivámos com a receita da Moussaka, dramatizada com todos os pormenores e não fomos capazes de deixar de nos comover com a oferta inesperada do Senhor Joaquim, o porteiro do prédio, que lhe ofereceu um saco cheio de cerejas com os votos de “Bem vindos a Portugal.” Natasha já consegue comunicar num português correcto, uma língua que ela considera muito bonita. Mas se as palavras lhe faltassem sobravam-lhe os olhos vivos, luminosos, que falam connosco o tempo todo. Através dos olhos de Natasha vimos o seu mundo: como era o seu apartamento quando se instalou em Lisboa: um colchão, um jogo de xadrez, um cd-player. Vimos as montanhas guardiãs da cidade onde cresceu. Vimos os lagos e os rios das suas caminhas enquanto escuteira. Vimos as multidões a aplaudirem o general Tito. As paixões, os planos para casar. Vimos a guerra e a incapacidade de compreender como é que um povo que cresceu junto de repente pegou em armas e se virou contra si próprio. Irmão contra cunhado, avô contra avô, vizinho contra vizinho. Esta mulher conta-nos todas estas histórias de vida, idênticas às de milhares de jovens nascidos na ex-jugoslávia com uma força que nos permite acreditar ser possível recomeçar em cada momento da vida. E que, à excepção de uma lágrima de mãe que cai na nossa mão, não há nada de tão terrível que nos permita desistir.
Para além do sol e do brilho da lua, Natasha reencontrou em Portugal a sua carreira de actriz. Desde 2001 que escreve, encena e leva a cena espectáculos. Trabalha regularmente com crianças e é um exemplo de como a força e a determinação conseguem vencer num mundo nem sempre justo.
Encenado por José Carlos Garcia, com dramaturgia de Beatriz Quintella, Vento Leste, produzido pelo grupo de teatro Planeta Maravilha, é uma dádiva e uma lição de vida que Natasha Marjanovic generosamente nos oferece através do seu talento e da sua beleza. Uma lição de como se pode aliviar o peso da tragédia e transformá-la em esperança.
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