Thursday, August 16, 2007

Os Persas - Revisitando a tragédia

É certo e sabido que a palavra tragédia não tem a mesma dimensão hoje que o sentido a que se reportava há 26 séculos. A banalização da palavra acarreta a perda do significado mais elementar e essencial, que se prende com a inevitabilidade, o principio da necessidade. Hoje trágico pode traduzir-se em acontecimentos que podem ser evitados. No séc. V significava exactamente o que não podia ser evitado, apesar das decisões dos protagonistas. Hoje perguntamo-nos: é possível evitar uma tragédia?
O espectáculo começa com o corifeu e o coro, composto por duas pessoas, um masculino e outro feminino, acompanhados por crianças de uniforme que mostram desenhos de guerra. A descrição da guerra que opõe gregos a Persas é exaustivamente explicitada na entrada. As crianças, apesar da guerra continuam a ser crianças. Apesar de desenharem a guerra no papel, misturam-se com o público, o outro, o desconhecido, e fazem jogos pacientemente com as mãos e gestos apaziguadores. O coro recolhe e a acção volta-se para o palco, inteiramente cenografado com caixas de plástico cinzentas. O material e a textura permitem criar formas e diferentes planos, aproveitando a amplitude do espaço. A rainha aparece, luminosa, e irradia a cena com a sua luminosidade. Ela é que, de facto, domina o enredo, assim como assume o governo da cidade desde que o marido morreu e o filho foi para a guerra. O mensageiro chega e descreve o horror da batalha que o seu filho, vivo embora derrotado, teve de passar. Xerxes foi castigado por se julgar superior aos gregos e sofreu o duro castigo, infligido pelos deuses. Entretanto seu pai, Dário, regressa do reino dos mortos, lamentando a audácia do filho. Por fim, o filho regressa para se isolar no seu palácio, sendo assim o único espectador da sua desgraça. Relativamente à encenação proposta pelo teatro da Garagem, a opção da inclusão das crianças é interessante. Mais discutível é a opção luminotécnica por umas luzinhas semelhantes a luzes natalícias que de vez em quando acendiam nos caixotes que perfaziam a altura do palco. Azuis como o mar, vermelhas como a tragédia, sujavam o texto descritivo da tragédia. O texto estava magistralmente bem dito pelo coro, pelo corifeu, e sobretudo, pelo mensageiro. A rainha talvez estivesse demasiado luminosa, considerando o contraste havido com as outras personagens. Bem conseguida a cena dos sapatos tombados em cena, sugerindo os mortos da batalha. O êxtase e a sensação de bem-estar termina quando entra em cena Dário, vindo das trevas, trazido por um actor que destoava por completo dos outros. A pesar do texto ser na sua generalidade bem dito, não se conseguiu evitar um certo peso nos olhos, pois a contemporaneidade dos figurinos e dos adereços contrastava com a cadência do texto grego.
Hoje as tragédias podem ser evitadas. Uma das formas é evitar que propostas destas subam a palco com presunções de grandes produções. É importante não confundir um grande texto com uma grande produção. Esquilo é imortal. Carlos J. Pessoa ainda não.

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