“A coisa mais antiga de que me lembro é de um quarto em frente ao mar dentro do qual estava, poisada em cima de uma mesa, uma maçã enorme e vermelha. Do brilho do mar e do vermelho da maçã erguia-se uma felicidade irrecusável, nua e inteira. Não era nada de fantástico, não era nada de imaginário: era a própria presença do real que eu descobria.” Com este texto de Sophia de Mello Breyner Andersen começa o espectáculo que a estrutura CAPa trouxe dias 18 e 19 de Março, MAPA, de João Pedro Vaz, assenta na ideia de fragmentação e de instante. Com a participação de Cristina Alfaiate, Inês Rosado, João Pedro Vaz e Sérgio Praia, esta produção parte também da ideia geradora de um haiku de Buson. Talvez o espectáculo queira exprimir por si só a ideia que está contida nos Haiku: uma simplicidade extrema da qual pode irradiar todo um universo de sentidos. O kaiku capta o instantâneo, regista, enquadra, presentifica, evoca, emociona, proporcionando por si a relação entre as palavras e as coisas.É, pois, uma forma de poesia breve, depurada, bela, simples e fluente. É uma reacção estética minimalista à crescente consciência humana do caos
De facto, existe uma imensidade de imagens fortes, que por si só irradiam emoções e evocam memórias. Desde a confecção de um leite-creme, com direito a açúcar queimado com um ferro em brasa no fim, até às brincadeiras de deslizar num linóleo coberto de água. Depois das memórias das cozinhas onde se cozinhava, activas pelo cheiro do leite-creme, um dos actores começa a mostrar-nos pequenas fotografias. Polaróides da nossa emoção, que podem desencadear uma viagem até aos becos mais escondidos da nossa infância. E as imagens sucedem-se umas às outras: uma mulher moderna e enredada nas teias do tempo da sociedade em que vive pára perante a visão de um velho que desenha qualquer coisa no chão com os dedos. A caminhada de uma mulher que se vai despindo do supérfluo à medida que avança na vida, fazendo-o de uma forma natural. Um homem que muda de personagem à medida que se vai vestindo, um haiku que se escreve no chão como que para dar o mote: lentos são os dias / uns e outros / longe do passado. Percorrendo o caminho inverso do passado há caminhadas, corridas onde se encontram corpos, e os corpos se beijam. Os actores conduzem o espectador ao mapa esculpido pelo tempo no rosto de uma mulher, onde desenham traços seus na parede branca por cima dos traços já existentes na fotografia da velha mulher. A partir desses traços o caminho para o passado aprofunda-se e a actriz faz-nos reviver as sensações da infância, brincando à cabra cega com as memórias. Nesse momento as memórias tornam-se mais intensas, talvez porque para além de visuais são mais auditivas e os sons penetrem mais directamente na memória. O som da roupa sacudida antes de ir para o estendal, o som das folhas de Outono quando são pisadas, os pássaros, os tesouros de inutilidades que se guardam para sempre dentro de nós. E a luz, com rectângulos desenhados no chão, convida o espectador a espreitar para dentro das suas memórias que, mais cedo ou mais tarde, vão desaguar na essência líquida da criação. Foi divertido ver os actores utilizarem a brincadeira já recorrente em que se desliza sobre um linóleo cheio de água, embora para a ideia de fragmento que está presente em todo o espectáculo, tenha tido uma duração maior que a adequada. O espectáculo acaba com a refeição conjunta dos actores, saboreando o leite-creme elaborado durante o espectáculo. Foi um espectáculo de instantes bonitos, com o recurso multimédia bastante adequado, ao qual faltou, contudo, uma força unificadora que está sempre presente nos Haiku como uma forma de ver o mundo. Cada haiku capta um momento de experiência; um instante em que o simples subitamente revela a sua natureza interior e nos faz olhar de novo o observado, a natureza humana, a vida. Só que para extrair essa simplicidade genuína são necessários actores e o que tivemos no CAPa foi um actor rodeados por três figurantes que ainda não detêm a pureza de representação que supera a técnica ou aquilo que se pretende num happening. Sérgio Praia excelente na versatilidade e força que se lhe exigia. João Pedro Vaz banal, dando ao espectador a noção de que seria capaz de fazer muito melhor. Cristina Alfaiate e Inês Rosado a deixarem muito a desejar quanto à interpretação que se espera de um espectáculo destes. E este é o drama que se vive no teatro com estes jovens actores: será que a participação numas quantas telenovelas é veneno suficiente para fazer esquecer tudo quanto se aprendeu com alguns dos grandes mestres do teatro que leccionaram na escola Superior de Teatro? MAPA tornou-se assim numa mostra de imagens bonitas sem fio condutor nem actores com a força dramática suficiente para as mostrar. Como um trabalho de laboratório que se faz para preparar um espectáculo só que, ainda sem espectáculo. Uma nota bastante positiva de Joana Providência, responsável, através das suas coreografias, por alguns dos momentos altos do espectáculo. Não existe qualquer informação para o espectador sobre o suporte musical, ficando este sem saber se foi uma resultado de uma banda sonora original composta para o espectáculo ou não. MAPA: um happening bonito e interessante, sem a força capaz de provocar a vibração da corda do prazer que existe dentro de cada espectador.
De facto, existe uma imensidade de imagens fortes, que por si só irradiam emoções e evocam memórias. Desde a confecção de um leite-creme, com direito a açúcar queimado com um ferro em brasa no fim, até às brincadeiras de deslizar num linóleo coberto de água. Depois das memórias das cozinhas onde se cozinhava, activas pelo cheiro do leite-creme, um dos actores começa a mostrar-nos pequenas fotografias. Polaróides da nossa emoção, que podem desencadear uma viagem até aos becos mais escondidos da nossa infância. E as imagens sucedem-se umas às outras: uma mulher moderna e enredada nas teias do tempo da sociedade em que vive pára perante a visão de um velho que desenha qualquer coisa no chão com os dedos. A caminhada de uma mulher que se vai despindo do supérfluo à medida que avança na vida, fazendo-o de uma forma natural. Um homem que muda de personagem à medida que se vai vestindo, um haiku que se escreve no chão como que para dar o mote: lentos são os dias / uns e outros / longe do passado. Percorrendo o caminho inverso do passado há caminhadas, corridas onde se encontram corpos, e os corpos se beijam. Os actores conduzem o espectador ao mapa esculpido pelo tempo no rosto de uma mulher, onde desenham traços seus na parede branca por cima dos traços já existentes na fotografia da velha mulher. A partir desses traços o caminho para o passado aprofunda-se e a actriz faz-nos reviver as sensações da infância, brincando à cabra cega com as memórias. Nesse momento as memórias tornam-se mais intensas, talvez porque para além de visuais são mais auditivas e os sons penetrem mais directamente na memória. O som da roupa sacudida antes de ir para o estendal, o som das folhas de Outono quando são pisadas, os pássaros, os tesouros de inutilidades que se guardam para sempre dentro de nós. E a luz, com rectângulos desenhados no chão, convida o espectador a espreitar para dentro das suas memórias que, mais cedo ou mais tarde, vão desaguar na essência líquida da criação. Foi divertido ver os actores utilizarem a brincadeira já recorrente em que se desliza sobre um linóleo cheio de água, embora para a ideia de fragmento que está presente em todo o espectáculo, tenha tido uma duração maior que a adequada. O espectáculo acaba com a refeição conjunta dos actores, saboreando o leite-creme elaborado durante o espectáculo. Foi um espectáculo de instantes bonitos, com o recurso multimédia bastante adequado, ao qual faltou, contudo, uma força unificadora que está sempre presente nos Haiku como uma forma de ver o mundo. Cada haiku capta um momento de experiência; um instante em que o simples subitamente revela a sua natureza interior e nos faz olhar de novo o observado, a natureza humana, a vida. Só que para extrair essa simplicidade genuína são necessários actores e o que tivemos no CAPa foi um actor rodeados por três figurantes que ainda não detêm a pureza de representação que supera a técnica ou aquilo que se pretende num happening. Sérgio Praia excelente na versatilidade e força que se lhe exigia. João Pedro Vaz banal, dando ao espectador a noção de que seria capaz de fazer muito melhor. Cristina Alfaiate e Inês Rosado a deixarem muito a desejar quanto à interpretação que se espera de um espectáculo destes. E este é o drama que se vive no teatro com estes jovens actores: será que a participação numas quantas telenovelas é veneno suficiente para fazer esquecer tudo quanto se aprendeu com alguns dos grandes mestres do teatro que leccionaram na escola Superior de Teatro? MAPA tornou-se assim numa mostra de imagens bonitas sem fio condutor nem actores com a força dramática suficiente para as mostrar. Como um trabalho de laboratório que se faz para preparar um espectáculo só que, ainda sem espectáculo. Uma nota bastante positiva de Joana Providência, responsável, através das suas coreografias, por alguns dos momentos altos do espectáculo. Não existe qualquer informação para o espectador sobre o suporte musical, ficando este sem saber se foi uma resultado de uma banda sonora original composta para o espectáculo ou não. MAPA: um happening bonito e interessante, sem a força capaz de provocar a vibração da corda do prazer que existe dentro de cada espectador.
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