Sexta-Feira, os primeiros dias, foi o nome de uma oficina de criação e experimentação de múltiplas linguagens da cena com uma incidência particular na manipulação de formas e objectos e no movimento. Orientados pelos actores do Teatro do Ferro, os participantes nesta formação souberam libertar a alma de quem com eles partilhou as emoções da clausura.
Há muito tempo que não tinha oportunidade de assistir a um espectáculo tão bonito e intenso como o que aconteceu no Solar do Capitão-Mor no passado dia 12, às 18h00.
Entre 10 e 12 de Maio, entre o Solar do Capitão-Mor e o Teatro das Figuras desenvolveu-se uma experiência em função do colectivo e das suas especificidades. Esse espectáculo, da responsabilidade do Teatro do Ferro, foi o resultado de uma oficina de trabalho intenso que visa a preparação de um trabalho de longo fôlego para Novembro e que se irá chamar Sexta-Feira. Trata-se, como nos anuncia o nosso imaginário colectivo, de um trabalho que irá ter por base o texto Robinson Crusoé.
Para a preparação deste trabalho foi feito um convite à comunidade em geral. Não era preciso qualquer tipo de experiência e não fazia exigências ao nível da idade ou do sexo. Apenas era exigida disponibilidade total durante três dias. Feito o repto um grupo compareceu, com idades compreendidas entre os 9 e os sessenta. O desafio era recriar a sensação do náufrago quando se vê sozinho na ilha, de onde não consegue sair. A ilha torna-se uma prisão. Foi nesse sentimento de estar aprisionado que o grupo trabalhou, construindo as suas prisões interiores, visíveis através de pequenos objectos manufacturados pelos actores, numa oficina de construção de materiais.
No espectáculo entrava-se justamente pela oficina, passagem através da qual o público se confrontava com as ferramentas de que os actores se serviram para os ajudar a conceber os pequenos objectos com os quais iam interagir. Depois dessa passagem pelo mundo material passou-se para o mundo espiritual e simbólico. Este ficava oculto numa pequena sala que estava parcialmente coberta por panejamentos pretos. O público tinha de se posicionar da melhor maneira possível, estando atento à acção, que poderia surgir de qualquer lado. Os actores, um a um, iluminados por um único projector móvel, mostravam a sua relação com a prisão que tinham construído. Um diálogo intenso do actor com o objecto, mantido ao nível do corpo, mostrando que neste caso a palavra era supérflua. Os actores seguiam-se uns aos outros em silêncio e o público, também em silêncio, orientava os seus sentidos da melhor maneira possível. Da sala parcialmente coberta a preto, passámos a outra totalmente coberta de panos pretos, onde aconteceram mais duas interacções com os objectos, mantendo a ideia de prisão e de sufoco claustrofóbico. Depois destes dois momentos voltámos à sala mais clara, onde pudemos também observer uma interacção criada por uma criança. A solução, que foi buscar inspiração ao universo dos fantoches deu também a noção da inacessibilidade a da falta de comunicação que muitas vezes existe entre gerações. Um a um os actores apresentaram o seu conceito de clausura. Um a um, o público foi sendo surpreendido pelas propostas diferentes de interacção com objectos simbólicos, criados por cada actor. Durante toda esta passagem de testemunhos o público foi-se adaptando ao espaço como uma massa orgânica, em silêncio e com um sentido de partilha muito grande. O material (humano e imaterial) que se produziu nestes três primeiros dias de trabalho intenso será integrado no espólio/arquivo-vivo do espectáculo Sexta-Feira e alguns dos participantes poderão mesmo integrar o elenco do espectáculo. No fim o público ficou com a grande curiosidade de ver, em Novembro, o espectáculo concebido pelo Teatro de Ferro, a partir destas oficinas criativas. Esta iniciativa partiu do centro de animação e pedagogia do Teatro das Figuras e, apesar de ter sido o resultado de dois dias de trabalho o público ficou ciente de ter participado num ritual belo e intenso. Exactamente aquilo que precisamos para a vida.
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