Wednesday, August 15, 2007

Dançar - Companhia Nacional de Bailado


Dançar é o que se exige de uma Companhia Nacional de Bailado. Dançar, foi o nome do espectáculo que a Companhia Nacional de Bailado trouxe ao Algarve. Dançaram três coreógrafos diferentes fundindo-se num espectáculo comum. Sem excessos a CNB trouxe ao Teatro Municipal de Faro a pureza da dança reinventada por coreógrafos de renome internacional.
A Companhia Nacional de Bailado tem, para além da obrigação de apresentar os grandes clássicos, o dever de os reinventar, levando a dança a todo o país. Desta vez a CNB optou por um repertório que na sua essência homenageia o recém extinto Ballet Gulbenkian. Desta forma, a CNB chama ao palco as memórias vitais para a história da dança em Portugal. Os três coreógrafos escolhidos foram marcos incontornáveis no Ballet Gulbenkian: Mauro Bigonzetti , coreografou Cantata em 2001, foi a sua primeira criação para o Ballet Gulbenkian, . Para além de Falling Angels o Ballet Gulbenkian já dançou as seguintes obras de Jirí Kylián: Sinfonia em Ré, Regresso a uma Terra Estranha, Nuages, Noite Transfigurada, Seis Danças e Stamping Ground.
Nacho Duato, marca com Jardim Cerrado a sua primeira colaboração com o Ballet Gulbenkian, em Março de 1990.
A CNB teve agora a difícil missão, não de substutuir uma companhia de referência que contribuiu durante décadas para a educação de públicos, mas para a reinvenção dessa linguagem. E conseguiu. O espectáculo começa com "Kazimir`s Colours" do coreógrafo italiano Mauro Bigonzetti. Tendo como suporte musical Concerto nº 1 em dó menor opus 35 para piano, trompete e cordas Dimitri Shostakovich, o coreógrafo pretende, como diz o coreógrafo, “estabelecer um diálogo entre a pintura e a dança". De facto os figurinos de Lucia Socci concorrem para uma certa geometrização da cena, estabelecendo contrastes cromáticos que intensificam os movimentos rápidos dos bailarinos. O desenho de luz Carlo Cerri reforça esses contrastes de cor e energia, rendendo homenagem ao pintor russo Malevitch.De seguida é-nos apresentada uma coreografia de Jirí Kylian, o lendário coreógrafo e responsável artístico do Nederlands Dans Teater. Desde há muito tempo que sentiu a necessidade de ir procurar nova inspiração nos movimentos dos aborígenes australianos, pois, como ele então disse, todos os passos e movimentos possíveis do reportório do bailado, da dança, teriam sido já utilizados e repetidos à exaustão. O resultado, tanto a nível de documentário de investigação, como de criação coreográfica em dança pelo NDT foi simplesmente fabuloso. Depois dessa incursão pela dança mais animista Jiri Kylian regressa à melancolia dos clássicos. Em “Return to a strange land” podemos ver belíssimos pas-de-deux e pas-de-trois, dançados por bailarinos que aliam a excelência da técnica a uma maturidade interpretativa de excepção. Com música de Leos Janacek e figurinos do próprio Jirí Kylián esta coreografia transporta o espectador a paisagens melancólicas, intensificadas pelo belíssimo desenho de luz Joop Caboort. O despojamento de tudo o que é supérfluo, deixando o corpo expressar-se. E, como referiu Jiri Kylian, ''É fácil mentir com as palavras, escritas ou faladas, mas não se mente com o corpo''. Nesta coreografia Jiri Kilyan extrai a sinceridade do movimento.Por último, o Teatro Municipal de Faro foi preenchido por música do século XV e XVI quando começa “Por vos muero” do catalão Nacho Duato. Esta coreografia, que ostenta uma cenografia constituída por biombos castanhos e enormes cortinas vermelhas que vão interagindo com os bailarinos através do desenho de luz de Nicolas Fischtel. Os figurinos de Nacho Duato e Ismael Aznar ajudam ainda mais o espectador a insinuar-se no universo do Século de Ouro espanhol e nas intrigas de corte. A música de época arranjada por Jordi Saval é um complemento insubstituível para esta homenagem a Espanha. Nesta coreografia Nacho Duato alia a plasticidade do corpo ao erotismo da palavra, já que a dança é intercalada com um poema de Garsilaso de la Veja ditos pela voz quente de Miguel Bosé. As intrigas, as máscaras, os enganos encontram nesta coreografia espaço para se darem a conhecer de forma plástica e ilustrativa. Talvez esta coreografia, seguidora de um guião muito descritivo, destrua um pouco o lado onírico conseguido nas duas anteriores. Todavia a nobreza encontrada no todo soube transformar a aparente descrição num jogo simbólico elevando esta coreografia à categoria de sublime.
No seu conjunto o espectáculo Dançar soube conjugar num todo a peculiaridade de três grandes nomes da coreografia mundial.

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