Tuesday, August 14, 2007

Contos eróticos


Dia 9 de Junho o te-Atrito mostrou ao seu público na Associação Recreativa e cultural dos Músicos, em Faro, a sua mais recente produção. Faz de Conto, espectáculo encenado por Rita Neves, assume-se como uma produção para maiores de 18 anos pelo seu cariz assumidamente ousado, quer na linguagem, quer na gestualidade. A recolha cuidada de textos franceses da época medieval (séc.XIII e XIV) que referem uma escrita crua e muito explícita relativamente ao acto sexual e aos comportamentos menos ortodoxos. A partir do imaginário dos indigentes, dos diferentes e dos assumidamente contra o sistema, criou-se um espectáculo que provoca o encontro dos exilados das convenções que sobrevivem a partir do ofício de contador de histórias. Mas histórias especiais, daquelas que aguçam o apetite para alimentos ligados aos pecados da carne. A partir de um andaime a cena é criada à semelhança das carroças que percorriam os largos das igrejas de outrora, atraindo as multidões, que se juntavam para ouvir contar histórias fantásticas. A cena exígua delimita o espaço de dentro de casa, a alcova, o sítio por excelência da transgressão em oposição ao espaço exterior, à rua, para onde os maridos são, regra geral, atraídos.
André Canário, Pedro Monteiro e Rita Farrusca são os actores que dão voz aos contos eróticos medievos. A função começa com a apresentação de Pedro Monteiro, perguntando se não haverá dentre o público algum bufo que os possa denunciar pelos delitos de provocação ao poder instituído, quer clerical, pela heresia do padre e pela bruxaria da mulher quer régio pelo roubo do pijama do Rei por parte do bobo. O bobo inicia a sessão de contos dando luz à cena. Acende os archotes e começa a contar a história de um campónio que é enganado pela esperta da mulher, que tem encontros escaldantes com o padre da freguesia. Neste conto o campónio é levado a acreditar que já está morto, dados os preparativos da mulher e da administração da extrema-unção do doloso padre. No fim, um conselho: não confiar nas mulheres. Este conto apresenta uma encenação divertida e bastante ousada que sugere uma interacção das três personagens num jogo sexual intenso, sem que o néscio do campónio sequer se aperceba. O segundo conto, mais moralista, fala da ameaça de castração a um padre que experimentou lúbricos prazeres com a mulher de um artesão que fabricava crucifixos. O padre ficou castrado e para reaver os seus santos atributos teve de pagar ao artesão uma coima, cobrada até à última moeda. No conto o rato no cesto a mulher é, uma vez mais detentora de artes e manhas com as quais engana o marido inepto e inexperiente. Mais uma vez as virtualidades do andai-me servem a uma encenação ousada e divertida. O conto “A donzela pudica” vive do ritmo intenso que se observa na mudança de personagens através dos adereços que lhes dão a identidade, como a saia da donzela, o barrete do pai e a estola do rapaz. Mais uma vez se verifica que quem comanda o jogo de sedução é a donzela, que manipula o criado e o pai.
Nestes contos pode verificar-se que as mulheres são mais inteligentes, matreiras e manipuladoras, dando continuidade à tradição vicentina observada no Auto da Índia ou na Farsa de Inês Pereira. O clero tem uma péssima reputação, pois os padres não fazem o mínimo esforço por guardar castidade e a infidelidade, embora vista como um comportamento a evitar, é amplamente praticada.
Um excelente trabalho de actores, principalmente de André Canário e Pedro Monteiro. Rita Farrusca deverá trabalhar mais a colocação de voz, que ainda não está ao nível da sua expressividade corporal. Uma encenação ousada mas dentro dos limites do bom gosto, que nos fazem ter uma certa pena da classificação para adultos. Este trabalho é por excelência um espectáculo de rua que atrairia muita gente que se colocaria à volta da “carroça andaime” para ouvir de forma espontânea os contos eróticos.
De qualquer forma, se tem mais de 18 anos, não perca esta produção quando um dia passar junto de si.

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