O corpo como mapa é uma imagem que tem vindo a ser utilizada de forma recorrente. À partida esse universo conduz-nos a Peter Greenaway e ao seu inexcedível Livro de Cabeceira, em que uma jovem era sujeita a um ritual de caligrafia sobre o seu corpo.
Charlotte Vanden Eynde ousou apresentar, uma vez mais, o corpo como tela, disponível e branco, de uma forma original e interessante. Num trabalho que contou com o seu corpo e com o corpo de Kurt Vandendriessche, Charlotte mostrou-nos a alma da criação, sendo o terreno fértil para a projecção de ideias. O corpo, perfeito, deforma-se, tomando uma outra forma surpreendente.
Charlotte usar o corpo como mapa de si mesmo: corpos que tentam ser outra identidade para não morrerem enquistados em si próprios. O corpo como casa, como primeiro lugar das intimidades, como primeiro espaço interno, como lugar. O corpo como a primeira cartografia de afectos: a primeira ideia das nossas afecções, o corpo como casa, a primeira das zonas de fronteira, o corpo como primeiro campo problemático. E perder o prumo do onde é casa, onde é corpo, onde é mapa, para o encontrar logo a seguir feito gaveta desarrumada, feito painel estragado, assumindo-se como incompleto, tentando recuperar o todo do qual é apenas uma parte.
Este trabalho que deu início à extensão do Festival Temps D’Image, apresentado no Centro de Artes Performativas do Algarve põe o homem em situação consigo próprio. A dualidade ontológica entre o nome e o desaparecimento dele, entre o espaço e sua representação que está sugerida por Lewis Carrol em seus livros Alice no País das Maravilhas e Alice Do Outro Lado do Espelho. Nestes trabalhos Carrol desfaz todo e qualquer sentido lógico acerca das leis do tempo e, principalmente, do espaço nas demarcações do território. Primeiro, no bosque onde as coisas não têm nome, nem precisam de ter. O genial e incerto esboço das coisas sem nome, logo sem lugar. Depois, quando um professor alemão de geografia quer desenvolver um mapa para uma ilha, um mapa que tenha como representação o mesmo ponto a ponto do território mapeado. Tal como Borges, um mapa auto-referencial. Mas nisso os lavradores do local percebem as impossibilidades: este mapa terminaria por impedir a entrada de luz sobre a terra e mataria tudo o que é vivo. E assim, eles, lavradores, passam a usar a própria terra como mapa de si mesma. Wittgenstein também afirmou que as fronteiras do meu mundo são as fronteiras da minha linguagem. Num sítio onde as palavras desaparecem, o meu mundo desaparece. Permanece o corpo inteiro e virgem, permeável ao ser. E enquanto matriz poderá ser tudo: espaço de afectos, de completude e até de um novo ser, um outro idêntico a si mesmo.
O espectáculo, que teve direcção artística, criação e performance de Charlotte Vanden Eynde, direcção técnica David Moons e Kim Aernoudt e música “Tarantella del Gargano”, soube manter o nível de sobriedade do princípio ao fim, convidando-nos a experimentarmos, também nós, a difícil odisseia de traçarmos o nosso próprio mapa e partirmos à descoberta de nós próprios. E de nós próprios com os outros.
Charlotte Vanden Eynde ousou apresentar, uma vez mais, o corpo como tela, disponível e branco, de uma forma original e interessante. Num trabalho que contou com o seu corpo e com o corpo de Kurt Vandendriessche, Charlotte mostrou-nos a alma da criação, sendo o terreno fértil para a projecção de ideias. O corpo, perfeito, deforma-se, tomando uma outra forma surpreendente.
Charlotte usar o corpo como mapa de si mesmo: corpos que tentam ser outra identidade para não morrerem enquistados em si próprios. O corpo como casa, como primeiro lugar das intimidades, como primeiro espaço interno, como lugar. O corpo como a primeira cartografia de afectos: a primeira ideia das nossas afecções, o corpo como casa, a primeira das zonas de fronteira, o corpo como primeiro campo problemático. E perder o prumo do onde é casa, onde é corpo, onde é mapa, para o encontrar logo a seguir feito gaveta desarrumada, feito painel estragado, assumindo-se como incompleto, tentando recuperar o todo do qual é apenas uma parte.
Este trabalho que deu início à extensão do Festival Temps D’Image, apresentado no Centro de Artes Performativas do Algarve põe o homem em situação consigo próprio. A dualidade ontológica entre o nome e o desaparecimento dele, entre o espaço e sua representação que está sugerida por Lewis Carrol em seus livros Alice no País das Maravilhas e Alice Do Outro Lado do Espelho. Nestes trabalhos Carrol desfaz todo e qualquer sentido lógico acerca das leis do tempo e, principalmente, do espaço nas demarcações do território. Primeiro, no bosque onde as coisas não têm nome, nem precisam de ter. O genial e incerto esboço das coisas sem nome, logo sem lugar. Depois, quando um professor alemão de geografia quer desenvolver um mapa para uma ilha, um mapa que tenha como representação o mesmo ponto a ponto do território mapeado. Tal como Borges, um mapa auto-referencial. Mas nisso os lavradores do local percebem as impossibilidades: este mapa terminaria por impedir a entrada de luz sobre a terra e mataria tudo o que é vivo. E assim, eles, lavradores, passam a usar a própria terra como mapa de si mesma. Wittgenstein também afirmou que as fronteiras do meu mundo são as fronteiras da minha linguagem. Num sítio onde as palavras desaparecem, o meu mundo desaparece. Permanece o corpo inteiro e virgem, permeável ao ser. E enquanto matriz poderá ser tudo: espaço de afectos, de completude e até de um novo ser, um outro idêntico a si mesmo.
O espectáculo, que teve direcção artística, criação e performance de Charlotte Vanden Eynde, direcção técnica David Moons e Kim Aernoudt e música “Tarantella del Gargano”, soube manter o nível de sobriedade do princípio ao fim, convidando-nos a experimentarmos, também nós, a difícil odisseia de traçarmos o nosso próprio mapa e partirmos à descoberta de nós próprios. E de nós próprios com os outros.
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