Friday, November 26, 2010

Os grandes textos


Um pouco através do conhecimento empírico verificamos que é na época de férias que temos disponibilidade mental para pegar nos grandes clássicos e nos dedicarmos à leitura. Daí talvez a edição de tantos romances clássicos com a edição de alguma imprensa semanal. Em relação ao Teatro, verificamos que o panorama a nível nacional conta com o CITEMOR, a decorrer entre 24 de Julho e 13 de Agosto. Em Almada, um dos festivais de referência a nível europeu, este ano tendo como eixo principal a poesia, desenrolou-se entre 4 e 18 de Julho. O Festival de Teatro de Braga de 2 a 11 de Julho. Em Espanha, se procurarmos quantos festivais de teatro se organizam no Verão, a resposta é imensa. De 16 de Julho a 29 de Agosto, o anfiteatro romano de Mérida acolhe a 56.ª edição do Festival de Teatro Clássico da capital da Extremadura espanhola, uma vez mais com o apoio do governo regional. O Festival de Teatro Clássico de Cáceres é um dos festivais de Teatro mais importantes de quantos se celebram em Extremadura tendo como eixos fundamentais as representações de obras de Teatro Medieval e do Século de Ouro, apresenta-se todas as noites do mês de Junho. Grec, em Barcelona, abre os seus palcos de 13 de Junho a 1 de Agosto. E Cádiz, Almagro, e até Castillo de Niebla, tão próximo da fronteira algarvia, apresentam os seus trabalho nos meses de Verão, conseguindo atrair milhares de turistas para esses eventos. Fazendo uma leitura breve da programação desses festivais verifica-se que a escolha é eclética e não se menosprezam os textos clássicos mais trágicos e cruéis. Tito Andronico, Antígona, Prometeu, Édipo, apresentam-se regularmente com lotação esgotada nos festivais de Verão em Espanha.
Desta vez a escolha recaiu sobre o Festival de Teatro e Dança Castillo de Niebla. O espectáculo foi Calígula, de Albert Camus. Recordando a encenação de Paulo Moreira para a ACTA em 2000 pareceu apropriado fazer um exercício comparativo entre as duas encenações. A encenação que foi apresentada no dia 7 de Julho em Niebla teve encenação de Santiago Sánchez. Teve música ao vivo, executada por uma violoncelista e pelos próprios actores que tocavam tambores a um ritmo alucinante, com uma sincronia perfeita. Teve uns figurinos onde de destacava o bom gosto e uma cenografia belíssima, com uma roda gigante a circular de um lado ao outro do palco, simbolizando o domínio do poder material, a grande roda da vida, a ambição do poder em detrimento da vida humana. Tinha umas coreografias memoráveis, onde se denotava um domínio do corpo e da técnica da máscara. O espectáculo tinha tudo isto mas não teve a direcção de actores que marcou Paulo Moreira como encenador de referência. Cesónia, interpretada pela actriz e cantora Garbiñe Insausti era fraquíssima. Não tinha projecção de voz nem atitude em cena. Era apenas uma presença bonita. A Mereia faltava o lado perverso que lhe faz ser o negativo de Calígula. A Calígula faltava a loucura misturada com a inteligência e agudez de espírito que lhe permitiu utilizar a lógica a seu bel prazer, justificando a sua barbárie.
É bom de vez em quando podermos sair da nossa região e percebermos o privilégio do Algarve em ter uma companhia como a ACTA e um actor como Luís Vicente que nos deu o Calígula mais verosímil a que pude assistir. Um texto de referência que pode e deve ser apreciado em qualquer altura do ano.
É também para reflectirmos nisto que servem os festivais de Teatro. E para não nos esquecermos que, como lembrou José Monléon, um dos organizadores de Festivais de Teatro no fórum sobre este tema no Festival de Almada, “o teatro existe para relembrar a democracia, a solidariedade e a cultura humanista, que se encontra cada vez mais descaracterizada nas sociedades europeias”. Este é, de facto, um dos verdadeiros objectivos dos festivais de teatro e das manifestações artísticas no seu todo, uma responsabilidade que não pode ser esquecida pelos artistas nem pelos programadores culturais.

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