Friday, November 26, 2010

ACTA - Trabalhar para o futuro


A ACTA está a retomar a sua função de educadora através da Arte com a reposição dos espectáculos Auto da Frequentada, espectáculo baseado no texto de Gil Vicente Auto da Índia, e O Longo Sono da Heroína, espectáculo baseado no conto A Bela Adormecida, adaptado por Sissel Paulsen e Ana Paula Baião.
Descrevendo um pouco a interacção que se vive nessas intervenções da ACTA, posso referir o efeito que a ACTA operou num grupo turma do 10º ano de Humanidades com o qual trabalhava na disciplina de Introdução à Filosofia. O estímulo era, a partir do espectáculo O Longo Sono da Heroína, encenado por Ana Paula Baião, fazer com que os alunos encontrassem soluções, colocassem questões e mesmo descobrissem um final para a história de uma adolescente que começou a ter problemas com droga. As situações eram várias: uma mulher que foi abandonada por um médico que a engravidou, tornando-se revoltada e alcoólica; a visão da infância de uma criança amada, em paralelo com uma criança desprezada; a entrada em coma da adolescente. Cabia aos alunos a tarefa de decidir se ela iria morrer ou não. A observação que fiz surpreendeu-me, pois alunos que nunca se manifestavam nas aulas cooperaram entusiasticamente nas tarefas propostas pelos actores, discutindo em grupo, apresentando depois os resultados das suas polémicas, sob a forma de uma dramatização, comentando as suas vivências. De uma forma talvez um pouco incipiente, conseguiram ultrapassar o bloqueio da expressão oral, levando-me a crer que a motivação a partir de estímulos propostos pela Expressão Dramática poderá ser mais eficaz que os métodos mais tradicionais e, desta forma, acreditar que esses estímulos devam ser aplicados amiúde, nomeadamente nas aulas de Filosofia.
O espectáculo O Longo sono da heroína, foi buscar inspiração ao imaginário do conto infantil da Bela Adormecida. Começava por mostrar um homem feliz com o nascimento da sua filha. Esse homem, nesse dia, recebeu um telefonema de uma outra mulher, exigindo-lhe as mesmas condições de vida que ele ia dar a essa menina, para o outro filho que havia tido um ano antes, com essa mulher. Ele respondia que tinha sido um erro e que não tinha mais responsabilidades, pois já lhe tinha dado dinheiro para se desembaraçar da criança. A mulher, então, jurava vingança. Os alunos, divididos em grupos, eram então solicitados a ilustrar como seria a reacção dos respectivos pais perante uma e outra criança em situações tais como a primeira doença e o primeiro dia de aulas. Depois de mais uma intervenção dos actores em que se mostrava o cuidado que os pais tinham em relação à rapariga, que se tornava numa super protecção e o desprezo que a mulher abandonada dava ao filho, os alunos eram convidados a fazer perguntas às personagens (à mulher abandonada e ao homem que a abandonou, que era médico) segundo a técnica do hot sit. Aqui surgiram questões interessantes como a contradição ao nível da ética por parte do médico, uma vez que ele, defendendo a vida, tinha pago para se fazer um aborto. Continuando a história e o imaginário da Bela Adormecida, quando a rapariga faz dezasseis anos, o irmão é convidado para a sua festa de aniversário. Este dá-lhe a provar substâncias alucinógenas e ela fica em estado de coma. Os alunos são então convidados a representar o final, decidindo se ela morre ou se sobrevive a esta experiência. Todos os alunos participaram activamente, fazendo questões espontaneamente aos actores e dando o seu contributo de forma séria e conscienciosa.
Esta experiência foi mais um contributo para a minha crença na tese de que um ensino que não só não esqueça mas sobretudo privilegie estratégias baseadas na estética teatral, concorrerá para um maior gosto pela aprendizagem por parte dos alunos e, sobretudo, uma maior consciência dos problemas / questões com que todos nos debatemos no mundo contemporâneo.
O outro espectáculo, O Auto da Frequentada, encenado por Luís Vicente, também tem contribuído para o desenvolvimento da imaginação nos alunos. Depois da apresentação do espectáculo os alunos conversaram com os actores sobre o que sentiram.

Falaram dos figurinos contemporâneos e compreenderam que tinha sido uma escolha deliberada para melhor dar a perceber uma relação directa dos textos com a maneira de sentir e agir dos homens de hoje.
Ao falar de cada um dos figurinos perceberam que a ama vestia um vestido que era a sua cama porque naquela altura as pessoas recebiam as visitas no quarto. Como ela estava sempre a receber visitas, estava sempre na cama. Referiram também o figurino do castelhano, com um cachecol de penas e um chapéu vermelho, lembrando um galo. Essa figura tinha esse aspecto porque simbolicamente era como um galo, vaidoso, cantando para impressionar.
Finalmente falaram da questão ética. Os actores começaram por perguntar por que é que os amigos da Constança entravam sempre pelas traseiras. Os alunos disseram que só o marido podia entrar pela porta de frente. E porquê, porque era contra a moral e os bons costumes receber homens em casa com o marido fora. Quando questionados sobre a questão da legitimidade de se pedir a uma pessoa para esperar por ela quatro anos, as opiniões dividiram-se. Alguns alunos disseram que sim, que se duas pessoas se amavam tinham de esperar uma pela outra. Outros disseram que dependia do que eles tivessem combinado entre si. Outros ainda disseram que perante uma situação dessas deveriam divorciar-se para estarem mais livres para o que pudesse acontecer. No fundo, a moral entre duas pessoas dependia directamente dos acordos e das regras estabelecidas entre elas, desde que não prejudicassem o resto da sociedade.
É minha convicção que os exercícios de expressão dramática levam à assunção de uma maior consciencialização sobre o conceito de cidadania, numa dinâmica de aprendizagem por descoberta. A estética, assume-se assim, desde as origens, como conceito estruturante da maturidade do Homem, concorrendo para a abstracção de uma realidade que se quer representar e descrever.

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