Friday, November 26, 2010
O pianista do oceano
A MITO, Mostra Internacional de Teatro de Oeiras, promoveu entre os dias 3 e 13 de Setembro uma temporada recheada de teatro para todos os gostos. Espectáculos para o público em geral, espectáculos de rua, espectáculos destinados ao público infantil e ainda mesas redondas e formações têm desinquietado as noites de Setembro na vila de Oeiras.
Um dos espectáculos que conseguiu surpreender o público que lotou o auditório do Teatro Independente de Oeiras foi produzida pelo grupo “Peripécia Teatro” e baseou-se no texto Novecentos, de Alessandro Barico. O texto conta a história de um pianista que nasceu a bosdo do Virginian, um paquete que fazia a rota dos emigrantes e milionários entre a Europa e a América, e nunca pisou terra.
Encenado por Noelia Dominguez, o espectáculo contou com o desempenho dos actores Sérgio Agostinho e Angel Fragua, acompanhados por dois excelentes músicos: Luis Filipe Santos e Tiago Abrantes.
O espectáculo começa com dois homens envelhecidos a falar sobre a sua vida. E como a vida é a memória, a memória traz consigo a capacidade de reviver outras vidas, recontadas e reescritas à medida que os anos vão passando. O espaço era preenchido por caixotes da madeira que se transformavam em vários objectos, e por uma cómoda de três gavetas. A história de um homem que viveu sempre no navio onde foi encontrado recém-nascido e conseguia retirar sonoridades únicas do piano, foi representada por estes quatro homens de forma notável e divertida. Os actores, acompanhados pelos dois clarinetistas cruzam várias técnicas teatrais que vão desde a criação do espaço imaginário e a assunção do objecto num universo de verdade, até à técnica do clown e ao café teatro. A história de Novecentos, com toda a carga poética de Alessandro Barico, foi trabalhada dramaturgicamente por José Carlos Garcia e contada em três línguas, mostrando a multiculturalidade que se encontrava nos navios que faziam o transporte dos emigrantes para a América. A voz, o corpo, o olhar, fizeram da história de Novecentos um conto emotivo que não cai no melodrama de lágrima fácil. Pelo contrário, faz com que o espectador se divirta enquanto está a ouvir a história dramática de um homem que nunca saiu do navio de onde nasceu. Atreveu-se uma vez, mas assustou-se com o infinito presente nas ruas, nas casas, nas mulheres bonitas. Preferiu a finitude das teclas do piano e do seu oceano. É notável a cena em que um conhecido músico de jazz sobe ao navio para enfrentar um duelo musical com Novecentos. A ambiência de duelo num western dá o mote para uma coreografia em que Novecentos mostra que é um músico autodidacta e não convencional, indiferente aos desafios habituais dos compositores e intérpretes da sua época. O momento em que os dois velhos músicos recordam a morte de Novecentos é repleto de poesia. A carga nostálgica termina no momento exacto em que a nostalgia daria lugar à tristeza. Novecentos decide afundar-se juntamente com o paquete que o viu viver e, no momento da explosão os dois velhos músicos recriam a hipotética conversa que Novecentos teria com S. Pedro, pedindo-lhe para entrar no Paraíso. O público diverte-se, sem deixar de sentir uma simpatia profunda pelo músico dos oceanos.
Uma companhia composta por dois actores espanhóis e um português e que consegue trazer para a cena toda a vivacidade e paixão que caracteriza o espírito latino no seu melhor. Os músicos conseguiram construir um espectáculo paralelo que, acompanhando o texto, contribuía para o público integrar a emoção procurada no relato da história de Novecentos. Um mito tornado realidade, a não perder quando se cruzar connosco em terras algarvias.
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