Friday, November 26, 2010
O grupo Teatro da Estrada, sedeado em Alte, quis apresentar uma caricatura dos relacionamentos modernos, frutos de uma sociedade cruel que castiga as relações afectivas. Quando pensamos em empresas que estimulam os seus funcionários a adiar o nascimento dos seus filhos em prol dos interesses económicos percebemos que essa visão economicista e desumana se vai, necessariamente, estender às relações familiares, tornando-as superficiais e descartáveis. No actual mundo laboral não há tempo para que os casais façam uma pausa e conversem sobre a sua relação. O espectáculo mostra um casal à beira da ruptura, prestes a deitarem-se para a linha do comboio. As suas visões acerca da vida e do seu sentido acabam por ser idênticas, descurando a entrega total depois do primeiro deslumbramento. O diálogo, que acaba por ser em duplicado, é frio, é calculista e desprovido de qualquer afecto. À proposta de suicídio o outro não tenta demover o companheiro, antes o incentiva a fazê-lo, acusando a sua cobardia, se hesitar em pôr termo à vida. Decidem morrer os dois, juntos, já que não conseguiram viver uma vida harmoniosa e feliz. O comboio passa, mas não os mata, dado que se deitaram horizontalmente e não transversalmente à linha e ao trajecto do comboio. Uma vez que sobreviveram à sua tentativa de suicídio a dois resolveram, não viver felizes para sempre, mas assistir a um outro casamento. O deles permanece adiado, até que chegue um olhar mais humano perante a vida. O casamento dos amigos é celebrado e o espectáculo acaba em festa, convidando o público a dançar no palco e a participar da alegria dos noivos.
A encenação do teatro da estrada vai buscar ao registo de comédia a fonte do tratamento de um texto trágico. Trabalhando o absurdo de uma relação consegue-se expor, se forma mais evidente, o arquétipo da indiferença perante o Outro. No entanto, e se por algumas vezes o registo de comédia, com fortes influências da Commedia D’el Arte foi atingido, quer através do ritmo de representação, quer através da própria coreografia estabelecida entre os dois actores, por outro, o histrionismo exagerado de André MdQueen, insistindo nas máscaras de expressão, sujou completamente o equilíbrio entre os dois actores, uma vez que Célia Martins adoptou um registo mais uniforme e contido ao longo de todo o espectáculo. Os apontamentos Pirandellianos, para além de já serem muito recorrentes, não tiveram o impacto no espectáculo que deveriam ter, tendo-se reduzido a umas “bocas” de bastidores. O texto estava escorreito, sem hesitações, com uma dicção correcta e um ritmo adequado. As investidas de André McQueen em relação ao músico, se bem que da primeira vez poderiam ter tido algum humor, depois várias vezes repetido, o apontamento deixa de ser surpreendente e torna-se fastidioso. De qualquer forma, o jogo das sonoridades com as marcações dos actores estava muito bem conseguido.
A cenografia, da autoria de Daniel Vieira e de Ekkehard Wocke, apresenta uma linha de comboio ao longo do palco. Uma linha, que tal como a da vida, pode ser interrompida e tomar vários sentidos, dependendo da mudança da agulha. Uma linha que transporta emoções e, quer no início, quer no fim, é palco de diversas sensações originadas por encontros e desencontros. A linha de comboio sempre foi uma boa metáfora da vida, pois segue contínua e indiferente, apesar das convulsões exteriores a si. Por isso as intervenções do músico na primeira parte foram completamente desnecessárias e escusadas, já que ele não iria ter nenhuma intervenção no decurso da história.
A pausa para mudança de cenário, assumindo os carregadores deveria ter sido mais evidente, com um diálogo construído, como no texto A encenação, de Lauro António, no qual os carpinteiros de cena têm um belíssimo diálogo sobre o sentido do teatro. Neste caso, a devolução do carácter humanista aos técnicos do teatro diluiu-se numa troca de palavras quase inaudíveis.
Na segunda parte do espectáculo o grande achado cénico foi a descoberta da marcha nupcial é a marcha fúnebre, o que pode ser encarado como uma alegoria muito interessante. Relativamente aos adereços que coloriram os figurinos neutros dos actores, a gravata preta, para um casamento que não é o seu próprio e não tem então o sentido de enforcamento, não é adequada. A cor deveria seguir a dramaturgia e “entre-laçar” com a cor vermelha dos sapatos da sua companheira.
Nesta parte do espectáculo este grupo recorre a uma estratégia discutível de interacção com o público. O público não é apenas convidado a participar na cena de forma pacífica, como amiúde se observa em inúmeros espectáculos. O público é invadido no seu direito de estar a assistir a um espectáculo e entra em tensão ao pensar que lhe podem pegar na mão e conduzi-lo para o palco. Foi isso que aconteceu. A encenação, que cremos ter sido colectiva, decidiu não duplicar os papéis dos noivos, o que até poderia ser uma solução interessante para o trabalho de actor, mas ir à plateia buscar uma rapariga e um homem para interpretar os noivos que iriam casar. O ar de constrangimento e desconforto nos “actores à força” era visível. No final, depois do insólito casamento, os actores voltaram a chamar o público para o palco, convidando-os a dançar a valsa com os noivos. O público subia as escadas um pouco constrangido e a valsa lenta foi dançada sem o vigor que é suposto existir num casamento. No final as danças de roda resultaram mas a história do atribulado casal esvaiu-se naquele final não menos atribulado.
É sempre complicado decidir acerca do tipo de intervenção que é suposto haver por parte do público. Num tipo de espectáculo de rua, é natural, pelas características próprias do espectáculo, que o público é convidado a intervir de forma activa no processo. Num outro tipo de espectáculo, com palco à italiana, em que a personagem é exposta em evidência de uma forma que não foi natural, pode ser um motivo para que essa pessoa não volte ao teatro e engrosse as estatísticas do cinema. Se 9 em cada 10 espectadores escolhem o cinema em vez do teatro quando saem à noite, tratemos bem essa percentagem mínima que ainda resiste e arrisca numa ida ao teatro. Se em vez do baile a seco tivessem convidado o público para beber um copo à saúde dos noivos, comendo uns petiscos colocados no palco a preceito, o público sentir-se-ia acarinhado e até ia de boa vontade dar um pezinho de dança. É assim, com carinho e humanidade, que se entrelaçam as almas.
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