Friday, November 26, 2010

Agosto Azul


Dia 1 de Agosto Portimão acordou um pouco mais azul. E ao longo deste Agosto que convida ao veraneio, a cidade foi encantando os seus visitantes com as inúmeras instalações dispersas pelos seus inúmeros recantos. Um pouco mais azul e um pouco mais poética, tentando captar a essência do desejo que inspirou Manuel Teixeira-Gomes a descrever de forma única o âmago do Algarve.
A autarquia de Portimão convidou em Agosto de 2009 a associação A Pele – Espaço de Contacto Social e Cultural, para conceber um projecto comemorativo dos 150 anos do nascimento de Manuel Teixeira Gomes. João Pedro Correia, originário de Portimão, aceitou com entusiasmo o desafio e começou a gizar um projecto de arte comunitária que envolvesse a população em geral. Depois de algumas incursões por várias obras do autor, Agosto Azul foi o texto eleito, a partir do qual João Pedro Correia e Maria João Mota fizeram uma adaptação dramatúrgica. Em Março de 2010 foram feitos contactos com 4 centros de dia que acolheram o projecto de braços abertos, tornando-se os fiéis intervenientes para o produto final. Ao longo do ano foram distribuídos retalhos, pedaços de lãs, para que as antigas artes, processadas por mãos sábias, pudessem devolver à comunidade o saber único e ancestral.
Para a concretização do projecto a associação A Pele contou com o apoio e a participação de 50 instituições que puderam oferecer 170 participantes ao espectáculo comemorativo da figura de referência da sua terra. Dia 19 de Agosto, sob a direcção artística de João Pedro Correia, estreou na praça 1º de Maio, em Portimão o espectáculo Agosto Azul. Com bancadas amovíveis para 800 espectadores, enquadrando o edifício da câmara Municipal, o espectáculo inicia-se com uma criança abrindo a porta do edifício. Sai para o meio da praça, deita-se no chão e começa a escrever uma carta. É a imagem de Manuel Teixeira Gomes. Em 1901 e em 2010, como anuncia o seu alter-ego do cimo da janela dos paços do concelho. A criança adormece e, dos quatro cantos da praça, surgem vozes sem idade cantando uma canção de embalar. A canção “Noites de Luar” é entoada com a sabedoria e ternura dos avós, das jovens mães, dos irmãos mais velhos. A praça enche-se de personagens em camisas de noite e pijama embalando os sonhos do jovem presidente. A banda da Sociedade Filarmónica Portimonense, dirigida por Rogério dos Santos Marques interpreta um tema enquadrando os espectadores na época romântica do princípio do séc. XX ao mesmo tempo que a praça se compõe com peças cenográficas que evocam a intimidade do acto de vestir. Através do chamamento feito pelo coral Adágio a criança desperta para a procura. Espreita pelas gavetas encontrando as peças do seu traje de presidente e joga às escondidas consigo próprio. As personagens de diferentes idades entram também em camisas de noite vestindo o seu traje de passeio. Os candeeiros de época de pé alto compõem a ambiência romântica e envolvente que implica o compor a figura para viajar. E ei-los que pegam nas malas de viagem e se dirigem para a estação de comboios. Os destinos são diversos mas as personagens unem-se numa mesma viagem. Lenços brancos acenam numa despedida sentida para a longa viagem pela Europa. O coral Adagio reproduz os sons característicos do comboio. O comboio parte e a criança fica novamente só. E nessa solidão, encantada com o mistério do mar, ao som de uma sonata de Beethoven, a sua imaginação é despertada para a visão de bailarinas que dançam sobre as ondas, etéreas e diáfanas. A criança é acordada do seu deslumbramento pelas guias turísticas que conduzem os transeuntes, movidos pelo ímpeto de saber de Teixeira Gomes, a visitarem os locais de interesse turístico. A criança é novamente levada pela sua imaginação admirando exóticas bailarinas com os requebros característicos da dança do ventre a comer figos lançando olhares de desejo. Esse desejo que é chamado de uma forma mais viva e intensa, porque genuína, entregue nos corpos e na música do Rancho Folclórico da Figueira. Ao som do baile mandado os pares descobrem e ilustram o prazer de se enlaçarem, tendo como público privilegiado um Teixeira Gomes adolescente que se deixa seduzir por uma moça do povo mais sabida e atrevida. O rancho sai, despede-se e o adolescente fica só, reflectindo sobre o prazer dos corpos quando estes se envolvem com a água. É nesse momento que as fontes da praça 1º de Maio se erguem e albergam debaixo das suas águas os corpos belos dos adolescentes que dançam extasiados com a descoberta das sensações. E as sensações são invadidas de cor com os veraneantes a irromperem pela praça, transformando-a numa imensa praia colorida. A banda filarmónica acompanha os sons da praia que, aos poucos, deixa entrar o barco Agosto Azul, embarcação pesqueira. As mulheres esticam as redes que vêm repletas de peixe grado, interpretado por crianças que saltam sobre as redes. Os pescadores recolhem as redes e a embarcação regressa ao porto. Ao porto dos amores perdidos regressa também uma canção. O fado “ai quem me dera ter outra vez 20 anos” é entoado de forma tocante por uma senhora de avançada idade, seguida por um cortejo de mulheres amadas, desejadas, cobiçadas por Teixeira Gomes. Enfrentam-no mas não deixam de lhe reafirmar que gostariam de ter outra vez 20 anos para o amar outra vez. O final é marcado pela escrita das cartas. Numa homenagem à correspondência, cada intérprete entra escrevendo um postal que distribui ao público.
Uma grande produção que, com os meios adequados, conseguiu produzir um espectáculo de rua numa noite de Agosto Azul. Uma noite fantástica na qual o teatro comunitário prestou uma grande homenagem ao Homem e à Cidade.

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