Friday, November 21, 2008

Até breve, Carlos

Hoje o teatro está mais triste. E para além de triste, está muito mais pobre. Despediu-se do palco da vida o crítico de teatro Carlos Porto.
É sabido que a profissão de crítico é olhada com desconfiança por toda a gente ligada ao mundo das artes. Os críticos são os que, costuma dizer-se, por não terem quaisquer aptidões para as artes, se socorrem da maledicência para se vingarem daqueles que a têm. Ou que são maus por natureza e têm um peculiar prazer em arruinar a carreira deste ou daquele artista. Carlos Porto tinha perfeita consciência dessa visão que amiúde era atribuída aos críticos, de tal forma que se viu compelido a escrever alguns texto salvaguardando a digna profissão de crítico. Dentro do seu saber imenso dizia que é normal as pessoas interrogarem-se sobre a pertinência de uma classe de críticos, se bem que posiciona o aparecimento da crítica a par do aparecimento do Homem. Assume, no seu texto Para que servem os críticos? Que “o aparecimento do teatro coincide com o aparecimento do espectador, e o espectador, tenha ele ou não consciência disso, é sempre crítico, mesmo quando não parece sê-lo.” Por isso, assume mais adiante, “Os críticos servem para participar no acto teatral como uma sua consciência activa… Servem para que o teatro exista, em termos menos modestos. Ou para ajudar a transformar o teatro numa arte, ultrapassando a situação do ritual, da cerimónia religiosa ou pagã, da festa cívica.” De facto, aquilo que aprendemos com a dignidade da escrita e com a humildade de Carlos Porto foi um contributo maior para elevar a o teatro à categoria de arte, contribuindo para a sua permanência. A beleza do efémero é, pois, através da pena do crítico, transformada em documento que contribui para a história. O crítico aponta para pormenores que passam despercebidos a um público mais desprevenido e que podem contribuir para uma leitura mais profunda do espectáculo. O crítico, com os seus argumentos fundamentados em linhas estéticas bem definidas, contribui para uma maior consciência do acto teatral. O crítico é, em última instância, a memória do teatro. De Carlos Porto guardo, para além dos preciosos ensinamentos, a verticalidade do ser humano que sempre me acompanhará nas minhas demandas, a clareza das suas ideias, a beleza da sua escrita. Carlos Porto arriscava. Fazia a verdadeira descentralização cultural quando se deslocava ao Algarve, à Covilhã, a Évora, para escrever sobre espectáculos que se desenvolvem fora das grandes metrópoles. Essa linha de críticos está a desaparecer, o que contribui para um empobrecimento progressivo do teatro, uma vez que sem memória não há história. Carlos Porto fez história. A ele, o meu agradecimento feito de um afecto muito especial. Até breve, Carlos.

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