Friday, November 21, 2008

As comédias de costumes


Nuno Loureiro encenou um grupo de 15 pessoas, amantes do teatro, que se encontram com o fito de desenvolverem a sua paixão. Já com um currículo de 19 produções o teatro Nova Morada, do Alto do Mocho, decidiu explorar um texto de um autor castelhano e investir num encenador profissional. Carlos Llopis, dramaturgo oriundo da capital espanhola, é reconhecido pela excentricidade cómica que elaborava em cada texto e pela forma crua e realista como estruturava personagens. Comédias sofisticadas e mordazes que inquietavam pelo toque de ousadia que sabia impor. Na comédia Daqui fala o Morto Carlos Llopis fala-nos de um célebre actor de cinema, pouco escrupuloso, que é assassinado em sua casa. Para conseguir capturar o assassino a polícia pensa num estratagema: ocultar a morte do célebre actor e assumir a sua vida normal com o duplo que habitualmente lhe fazia as cenas arriscadas. Aqui o teatro toma a dimensão da vida e o duplo começa de facto a viver a vida arriscada de Valdez. A trama adensa-se quando o duplo se vai confrontando com a vida desregrada e pouco sensata que o actor levava. Neste texto é difícil as personagens serem efectivamente aquilo que parecem, pois o jogo de espelhos reflecte uma realidade distorcida em que cada um se ajeita de acordo com aquilo que os outros esperam de si próprio. A personagem principal interpretada por Márcio Natchaty, mostra um grande à vontade na assunção de duas personalidades diferentes. Ao princípio deparamo-nos com um homem assertivo, que sabe o que quer e que tem levado a vida a enganar meio mundo para se assumir socialmente. Como duplo, temos uma personagem difícil, de um ser frágil, que representa para si próprio a capacidade de se tornar forte. Homossexual assumido, tem de representar as suas opções entre as inúmeras amantes que Artur Valdez conquista, tendo o cuidado de nunca manifestar perante essas mulheres a sua verdadeira personalidade. Um autêntico jogo de espelhos social usado para encontrar a verdade. Outra personagem de destaque é Mizuca, interpretada por Sofia Menezes. Uma personagem histriónica que a contenção da actriz não deixa cair no exagero. É a namorada brasileira que vem dar um toque de comédia à trama. Sofia Menezes flui em palco com um ritmo vertiginoso que não deixa cair o espectáculo numa cadência banal, sendo uma das peças essenciais do intrincado xadrez de personagens. Nuno Loureiro utiliza alguns artifícios para ultrapassar uma linha de dramaturgia mais virada para a adaptação cinematográfica, como a sombra chinesa ou a assunção de uma marcação em que a personagem está de costas para a plateia. A pausa para dar tempo às personagens de mudarem de figurinos é divertidíssima, com uma vendedora a tentar vender vários tipode de mortes, como se se tratasse de uma agência de viagens. O slogan “Brincamos com a vida, nunca com a morte” é revelador do espírito que se pretende descontraído. No entanto, a personagem da criada é trabalhada de forma obscura, ou seja, ao princípio é uma rapariga inocente e crédula, que se deixa atormentar com as desgraças que vão acontecendo à sua frente. À medida que o espectáculo vai avançando a criada torna-se mais insinuante e sedutora, sem que haja uma razão dramatúrgica para isso. A cena em que a criada entra em câmara lenta com o follow spot a acompanhá-la é estranha e inconsequente. A personagem de Gerónimo também tem um toque um pouco excessivo na postura gay o que, numa comédia de costumes, se pode justificar. E no fim o espectador tem a resposta à pergunta: Quem matou Artur Valdez?, sem que essa seja a resposta mais importante do texto ou do espectáculo. E no fundo, quando as personagens são tão interessantes que já nem interessa saber quem foi o assassino, a aposta está ganha.
Daqui Fala o Morto é uma comédia que diverte e que apela à nossa postura de actores sociais. Para teatro assumidamente amador há que realçar que as marcações estão bem definidas, tendo os actores consciência do espaço, dos ritmos de representação e da atitude perante o espectador. Quando estes pormenores funcionam o espectáculo funciona. Este espectáculo está disponível para correr em digressão pelos espaços que o quiserem acolher. Entretanto vamos esperando pela surpresa que nos prepara a 20ª produção do Teatro Nova Morada, a estrear no início do próximo ano.

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