Monday, August 8, 2011

Visita guiada a Dublin


A jovem companhia irlandesa The Company construiu um espetáculo que mostra a odisseia de quatro amigos pelas ruas de Dublin. O espetáculo, criado e interpretado por Brian Bennett, Nyree Yergainharsian, Rob Mcdermott e Tanya Wilson, começa com um momento coreográfico em que os quatro atores empilham e distribuem caixas de cartão pelo espaço. À semelhança das peças de construção usadas para fazer brinquedos os atores sugeriam diversos tipos de construção como uma casa, um quarto, uma sala de refeições, o interior de uma casa, o interior de uma cidade. O pulsar das ruas, o trânsito, o movimento de Dublin. Quatro amigos que partem à descoberta de uma cidade descrevendo o seu dia, à semelhança de Joyce, quando embarca na viagem através do Bloom.
A viagem, depois do arrumar da cidade, começa com um despertar, a higiene matinal, a escolha do guarda-roupa e a primeira refeição partilhada. As caixas tomam formas diferentes e obrigam o espetador a assumir uma compreensão diferente para cada elemento cénico. A crítica mordaz à religião que ordena e domina as refeições está apontada na obsessão de dar graças antes de as partilhar. Depois, na exploração da cidade, cada elemento conta a história á sua maneira. O macho mais agressivo coloca todos os amigos a viverem a cidade de acordo com a sua passagem. Ele passa e os outros observam. Ele vive e os outros fazem o possível por merecerem viver ao pé dele. Mas esta descrição, sempre articulada com as caixas de cartão desenhando a cidade de pedra e cal, cai por terra quando um outro elemento começa a contar a sua odisseia na cidade. É uma rapariga jovem bonita e loura, e, pela sua descrição, não simpatiza muito com o primeiro rapaz. Acha-o convencido e, apesar de não se conseguir lembrar de muita coisa, descreve a sua viagem por Dublin de forma completamente diferente. A cidade permanece, assim como o seu ritmo, espelhados na manipulação das caixas. No entanto, a descrição da viagem é completamente diferente.
E tudo volta ao início e tudo volta a ser diferente na mesma cidade. A cidade que acolhe os seus habitantes e as suas histórias da mesma maneira, deixando-os contar a sua aventura, a sua odisseia na qual cada um é o protagonista da sua própria história. A cidade não se revela como uma selva, ou como um espaço desprotegido e perigoso à mercê de meliantes mal intencionados. A cidade revela-se acolhedora e disponível para receber todos, independentemente das suas histórias e da maneira de as contar. Curiosamente os movimentos de construção da cidade que se viram no início do espetáculo são repetidos com a mesma exatidão e o mesmo cuidade anteriormente observado.
Depois do terceiro elemento ter descrito a sua cidade não perdendo a sua individualidade o quarto elemento já não a exemplifica da mesma maneira. O ciclio iria recomeçar e os espetadores aperceberam-se que tudo aquilo era um círculo que se ia alimentando de si próprio, fazendo com que cada um revivesse a parte da memória que lhe tinha feito sentido. Quel quisesse juntar o ser fragmentário do espetáculo só tinha de ligar os vários sinais.
Segundo a produção, “As you are now so once were we é, sobretudo, uma peça sobre a experiência de leitura de Ulisses e não sobre a história do próprio Ulisses. Não é uma peça sobre Leopold Bloom ou sobre a sua mulher traidora, mas sim sobre todas as coisas que nos fazem acreditar e sentir que estamos num espaço, num só espaço ao qual pertencemos. E este espaço não é necessariamente uma localização geográfica, mas sim um sentimento intangível de que temos muito mais em comum do que pensamos. Não é uma história, mas sim um sentimento, uma ideia, uma crença que é ao mesmo tempo pessoal e universal.
As you are now so once were we redescobre o significado de se ser irlandês, partilhando com o público esta descoberta.”
As you are now so once were we intensifica o desejo de partilhar com estes irlandeses o privilégio de palmilhar as ruas de Dublin e de conseguirmos agarrar essa sensação de felicidade que pairava no ar.
Um espetáculo divertido e rigoroso que convida tanto à leitura de Joyce como à visita in loco à própria Irlanda.

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