Monday, August 8, 2011

A magia tornada real


As crianças entram num espaço sombrio no qual vislumbram uma casinha de madeira cuja porta é ladeada por duas lanternas coloridas. Entram na casinha de madeira e deparam-se com o interior de uma sala com traves de madeira no tecto, de onde desabrocham, para além de lustres que iluminam o espaço através dos seus milhares de vidrinhos, uma série de objectos estranhos. Tesouras, espanta-espíritos, celhas de alumínio, peões gigantes, cestos e mais alguns objectos que a imaginação pode criar. Num dos lados da casinha está Hans Christian Andersen, sentado numa cadeira de braços, acariciando uma miniatura de um cisne. À frente dele uma atriz, que nos faz lembrar uma boneca de pano. É a senhora Track, uma das cordas que possibilitam o mecanismo do tempo. A outra personagem é o senhor Trick. Quando bem articulados proporcionam um encantamento. Do outro lado da sala uma grande roda dividida em doze partes, com diferentes figurinhas desenhadas, entre elas uma porta. As crianças sentam-se em bancos corridos que vão de um lado ao outro da sala, ligando o escritor à grande roda, que fica no seu lado oposto.
Hans começa por falar no poder do Tempo. O Tempo é o mais importante. Saber esperar, saber respeitar o tempo próprio de cada coisa. E a roda do tempo começa a girar, abrindo a pequenina porta onde se descobrem cinco ovos num ninho. Cinco ovos que são retirados do pequeno retábulo do Tempo e mostrados às crianças. A minúscula portinhola fecha mas volta a abrir-se, mostrando desta vez um ovo diferente. Maior, com outro tipo de pigmentação e outra coloração. Os outros ovinhos esperam no ninho e chegado o seu tempo abrem-se, deixando sair os patinhos. O outro ovo espera. Tem de esperar mais tempo. É diferente, tem um tempo diferente. E sob os pés de Andersen começa a passar um magnífico tapete, ilustrado por Carl Larsson, que mostra o desenrolar das estações. Os actores vão depositando pequenos símbolos das estações, desde as folhas secas do Outono até às pétalas que as raparigas colocam nos seus vestidos brancos estivais. Toda esta passagem é acompanhada pelo girar da roda que puxa o ovo diferente para o seu próprio tempo. Até que o último patinho nasceu e, tal como o ovo, continua a ser diferente. Maior, mais desengonçado e sem a penugem desenvolvida. Todos os que estão à sua volta o tratam mal por ser diferente. Até a rapariga que o alimenta. E mesmo a sua mãe, que chocou o ovo até ao fim, representada por uma magnífica máscara feita de uma pá de madeira, que luta por ele, desiste e revela-lhe que não é a sua verdadeira mãe. Depois desta revelação o patinho feio foge daquele lugar inóspito e corre pelo mundo em busca de paz. Vai ter a uma cabana onde habita uma velha, uma galinha estrábica e um gato despenteado. As formas animadas continuam a surpreender e, ora as personagens aparecem numa dimensão pequena, quase onírica, ora se transformam em bonecos de tamanho real. Mas os habitantes da cabana desentendem-se e o patinho tem de continuar a percorrer o mundo. E corre, corre, até encontrar os patos selvagens, junto dos quais encontra algum conforto. A sua música consegue confortá-lo. Mas o mundo é cruel e os caçadores matam os patos selvagens. Fitas vermelhas soltam-se do tapete simbolizando o sangue das aves abatidas. E nem o cão que foi resgatar os patos o quis levar, de tão feio que ele era. O patinho encontrou-se de novo sozinho e, como tinha muita vontade de nadar, mergulhou num lago que não tardou a ficar gelado. A celha de metal abrigou o pobre pássaro, que em breve ficou preso sob o gelo. O tempo ficou sombrio e a neve começou a cair. Até que uma violenta pancada no gelo despertou o patinho, que foi reanimado por um pobre homem que tinha bom coração. A má sorte não está sempre atrás da porta e o pobre patinho, que passou um ano a fugir do seu destino adverso, vai ao lago quando chega a Primavera. E quando vê o se reflexo na água não se reconhece. Tinha chegado o seu tempo. O tempo de desabrochar num cisne que Hans mostra aos meninos dentro de uma caixinha de música, desocultando a magia e o trabalho precioso do Tempo e da persistência da coragem.
O espectáculo foi apresentado por três atores de excelência, Cláudio Guain, Elena Gaffuri, Piergiorgio Gallicani que, apesar de italianos, disseram todas as falas em português. Os atores mostraram-se versáteis, desempenhando várias personagens e cruzando várias técnicas de representação. A encenação de Maurizio Bercini dotou esta história cruel de uma magia a que a maior parte das crianças, embora por vezes apreensivas e temerosas, pois havia partes assustadoras, foram bastante receptivas. Pena é que algumas mães se recusem a perceber que o tempo dos seus filhos ainda não chegou. Assim, deixam a criança o espectáculo quase todo a chorar copiosamente, sem terem a sensibilidade de perceber que nem a sua criança está a receber o espectáculo como deveria, nem as outras crianças se conseguem concentrar. É um dos fatores que nos leva a concluir que devemos continuar a investir na educação de públicos, o infantil e o adulto.

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