Monday, August 8, 2011


John Romão assumiu-se na cena teatral por ser um criador que corta com a convenção, riscando os cânones ao mesmo tempo que deles faz uma leitura aturada. Desde sempre que John Romão intromete uma visão escatológica com o objectivo de o ajudar a encontrar o fim da realidade. No espectáculo apresentado no Centro Cultural de Lagos John Romão apresenta-nos um ícone da beleza masculina, criado pela televisão através do actor Ângelo Rodrigues. Com uma câmara apontada à cara de Ângelo Rodrigues, que por sua vez é projectada num grande écran dando conta aos espectadores de todos os pormenores, John Romão vai deformando a face da apolínea da beleza, retirando a harmonia através da inclusão de elementos estranhos provocando assim desfigurações performativas e assumindo a relação das deformações com citações relativas a artistas que trabalharam a deformação facial nas suas obras. Desde fita cola, objectos de escritório, perucas, salsichas e creme de chocolate para barrar, a cara de Ângelo Rodrigues foi uma tela onde se operaram várias transformações que lhe retiraram a harmonia. Depois de várias experiências que culminaram com a paste de chocolate John Romão começa a dizer um texto sobre os limites da Arte e do criador. Vai buscar quatro placas de esferovite que enquadram as figuras dos dois actores e, depois de deitadas no chão, começam a ser adaptadas ao corpo do actor que se lhes coloca por cima. As placas transfiguram-se numa espécie de monstros elaborados a partir das figuras dos corpos perfeitos dos actores. O palco fica preenchido com os desperdícios da esferovite enquanto as figuras deformadas se apoiam umas nas outras conseguindo assumir o plano vertical. O cenário muda e o ciclorama é pintado de vermelho, o palco inundado de fumo e a música pop é o pretexto para que os actores dancem efusivamente, deixando transparecer as suas silhuetas, enquanto um outro texto com frases curtas aparece no écran, deixando mensagens acerca desta cultura descartável. Fazendo o contraste com o caos dionisíaco os actores vão buscar dois coelhos brancos, símbolo da inocência e da procriação e interagem com os animais brancos, deixando-os à solta no meio da cena completamente contaminada pelos desperdícios de esferovite. Os coelhos, que no auge da sua pureza procriam porque essa é a sua natureza, sucumbem sob o peso dos livros, das obras, dos clássicos. Shakespeare, Stanislavski, Sartre e Aristóteles serviram de toca ao assustado coelho que, à nossa semelhança, carrega sobre as suas costas o peso de uma herança cultural de referências, e escolas, e ideologias filosóficas das quais não nos conseguimos libertar.
Por sua vez, Ângelo Rodrigues sucumbe sob o brilho do seu sucesso, quais bolas de espelhos que rodopiam sem cessar sobre a sua figura. Mesmo arrefecendo com a água que lhe vai sendo deitada por cima do seu corpo entra em transe, mas suportando o brilho fácil da fama a que está votado.
Por último John Romão faz um monólogo sobre a morte, ostentando um coelho branco nas suas mãos. O contraste entre a vida e a certeza da morte é espelhado naquela imagem onde se explora a fragilidade do ser. John Romão cita inúmeros teóricos do teatro para além do filósofo José Gil, autor de inúmeros trabalhos sobre Estética. Stanislavski, Meyrold, Aristóteles e mesmo José Gil, se bem que obrigatórias para qualquer alunos de Teatro são referências que escapam à maioria do público português, pelo que esta última parte do espectáculo não atinge a sua verdadeira dimensão junto do público em geral, contentando a minoria de estudiosos que se contentam ao reconhecer todas as referências.
Só os Idiotas Querem Ser Radicais é um espectáculo de risco e de desafio, como nos habituou John Romão nos seus trabalhos anteriores. Arrisca-se a não ser entendido por se destinar a um público conhecedor do teatro e das novas tendências de construção de espectáculos. É um espectáculo que ainda não atingiu o ponto de maturidade cénica devido à necessidade quase obtusa de chocar o espectador e de preencher a cena com um caos aparente. O terceiro elemento do ciclo hegeliano ficou por definir e o espectador não saiu apaziguado deta apresentação que contava reflectir sobre “o poder da imagem”. Houve a apresentação de muitas propostas sem se concretizar ou resolver em profundidade nenhuma delas, o que entra em contradição com toda a panóplia de autores e teóricos do teatro citados no decorrer do espectáculo. De acordo com John Romão, “O museu é um depósito de coisas roubadas, até aí, nada de novo. Gosto de saber que a minha civilização é feita disso, sinto-me menos mal. Porque quando era puto também roubava no supermercado chocolates e brindes dos cereais da Nesquick. Quando entro num museu e percebo que fomos um império, um império do gosto, eu próprio me sinto um imperador ao ver a Vitória de Samotrassa. Samotrácia não se escreve com dois “s” e tem asas e tem a cabeça cortada e eu que a vejo, não tenho nada, senão a certeza que sou um imperador que também aprecia naturezas mortas, porque a morte tem um cio absoluto. Os historiadores, os teóricos inventam crises, declínios, apogeus, revoluções estéticas. Inventam a sua história da arte consoante o mercado, consoante o poder dos estados. O que se alastrou às artes plásticas, alastra-se agora ao teatro. O novo tornou-se um valor comercial, especulado, um bom filão para urbanos endinheirados. Há quem continue a afirmar-se vanguardista quando as vanguardas acabaram. Há quem continue a vender-se como radical, quando a radicalidade é um logro comercial.” A linguagem é complexa, rica, cheia de referências. O espectáculo é excelente para se mostrar a um público de estudiosos de novas dramaturgias. Ao nível do público em geral cai no perigo de se tornar arrogante intelectualente, uma vez que as referências não são perceptíveis. Mas no final é obrigatório ver

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