O ser humano é etnocêntrico por natureza. Habituado que está a crescer dentro de uma determinada cultura, elege-a como a cultura de referência, desprezando, na sua generalidade, as outras. Foi preciso terem existido uns humanistas que, muitos séculos depois de Sócrates disseram com ele: “Sou um cidadão do mundo”, para que se começasse a pôr cobro à barbárie instigada por uma natureza avessa à alteridade. Mesmo assim, olhamos para o mundo e o conflito permanece. A minha cultura é melhor que a tua, a minha religião é melhor que a tua, e por isso tenho mais direitos do que tu. É neste contexto que o papel do teatro pode ser, de facto, formativo, ensinando, desde criança, o ser humano a respeitar o outro nas suas identidades e nas suas diferenças. O Patinho Feio, de Anderson, aponta para o problema de um diferente que é criado entre iguais e que sofre terrivelmente o peso dessa diferença. As crianças depois percebem que o diferente era, na verdade um cisne, ave que nos habituámos a considerar como mais majestosa dentro da classe dos patos. Portanto, a fábula de Anderson encerrava em si uma moralidade que consistia em sofrer ao princípio para depois ser admirado, e até invejado no futuro. No entanto, não deixava de alertar para o tratamento entre diferentes.
A versão que Verónica Guerreiro assinou é mais ambiciosa e estimula mais a crianças a perceberem a injustiça de tratamento face à diferença anatómica ou de raça, ou de género. É que enquanto o fábula de Anderson expôs ao ridículo um congénere da espécie dos patos, a versão de Verónica Guerreiro sugeriu um bebé, que é adoptado pela pata no momento da eclosão dos seus ovos, e que não é aceite pelos seus irmãos. A mãe, extremosa, chama-lhe pato e o bebé assume a sua identidade como pato. Os outros patos é que não o aceitam. Nem os patos nem os outros animais da quinta, rindo-se dele em todas as ocasiões. Até as formigas se riem dele, para além do porco e do peru, não conseguindo obter solidariedade nem sequer de uma galinha. Até a cadeira se riu dele! O menino chora, vai dormir sozinho e triste, sem o amparo de um amigo. Só quando a sua verdadeira mãe o encontra no meio da quinta é que o menino descobre a sua identidade, sendo aceite pelos outros elementos da história. Esta é uma história também sobre a aceitação da sua identidade, e sobre a capacidade de amar para além das diferenças.
O espectáculo junta bonecos e formas animadas com actores em carne e osso. Alice Martins começa por contar a história, e as personagens, bonecos manipulados como numa televisão, vão aparecendo ao longo da narração. Como numa televisão, Alice pega num comando gigante e volta atrás, faz pausa, brinca com a associação da caixa preta e do écran televisivo. As crianças aderem porque se sentem familiarizadas com o formato televisão. A páginas tantas a história conta-se por si e os bonecos tornam-se reais para as crianças que estavam a absorver a história. O momento da eclosão dos ovos foi uma boa solução, surpreendendo as crianças quando viram aparecer os patinhos recém-nascidos. O facto do menino não ser interpretado por uma marioneta provoca uma proximidade entre as crianças e o actor, se bem que a versão “infantilizada” que Fernando Cabral recria quando deixa de contracenar com os bonecos retire alguma verdade numa perspectiva da identificação da criança com a personagem. Seja como for, dentro do universo de teatro para a infância, que não pretende apenas entreter os meninos, este espectáculo funciona. E funciona mesmo depois da apresentação porque as crianças tiveram acesso a um programa didáctico que lhes permite colorir, encontrar palavras, fazer jogos com a sequência das cenas e ainda recriar a cena recortando as personagens que aparecem na história. Muito bem conseguido.
O que não funcionou muito bem foram as condições de exequibilidade do recinto da Feira do Livro. As crianças sentaram-se no chão, próximas dos actores, e por isso ouviram a mensagem. O público em geral perdeu metade da mensagem por não ter havido uma amplificação de som adequada. Não perdeu a mensagem toda porque os bonecos são muito expressivos e, por si só, contam metade da história.
Poderíamos pensar que, se as crianças ouviram e viram o espectáculo, que os objectivos ficaram cumpridos, porque era um espectáculo para crianças. Mas o aproveitamento desta história pelos pais, para lhes complementarem a lição de vida que esta história encerra, ficou comprometido, e foi pena. Para além da criança que cada pai e cada mãe encerra dentro de si ter ficado triste por não ter podido usufruir do espectáculo como ele merecia. Mas isto tudo é uma aprendizagem e para o ano há mais.
A versão que Verónica Guerreiro assinou é mais ambiciosa e estimula mais a crianças a perceberem a injustiça de tratamento face à diferença anatómica ou de raça, ou de género. É que enquanto o fábula de Anderson expôs ao ridículo um congénere da espécie dos patos, a versão de Verónica Guerreiro sugeriu um bebé, que é adoptado pela pata no momento da eclosão dos seus ovos, e que não é aceite pelos seus irmãos. A mãe, extremosa, chama-lhe pato e o bebé assume a sua identidade como pato. Os outros patos é que não o aceitam. Nem os patos nem os outros animais da quinta, rindo-se dele em todas as ocasiões. Até as formigas se riem dele, para além do porco e do peru, não conseguindo obter solidariedade nem sequer de uma galinha. Até a cadeira se riu dele! O menino chora, vai dormir sozinho e triste, sem o amparo de um amigo. Só quando a sua verdadeira mãe o encontra no meio da quinta é que o menino descobre a sua identidade, sendo aceite pelos outros elementos da história. Esta é uma história também sobre a aceitação da sua identidade, e sobre a capacidade de amar para além das diferenças.
O espectáculo junta bonecos e formas animadas com actores em carne e osso. Alice Martins começa por contar a história, e as personagens, bonecos manipulados como numa televisão, vão aparecendo ao longo da narração. Como numa televisão, Alice pega num comando gigante e volta atrás, faz pausa, brinca com a associação da caixa preta e do écran televisivo. As crianças aderem porque se sentem familiarizadas com o formato televisão. A páginas tantas a história conta-se por si e os bonecos tornam-se reais para as crianças que estavam a absorver a história. O momento da eclosão dos ovos foi uma boa solução, surpreendendo as crianças quando viram aparecer os patinhos recém-nascidos. O facto do menino não ser interpretado por uma marioneta provoca uma proximidade entre as crianças e o actor, se bem que a versão “infantilizada” que Fernando Cabral recria quando deixa de contracenar com os bonecos retire alguma verdade numa perspectiva da identificação da criança com a personagem. Seja como for, dentro do universo de teatro para a infância, que não pretende apenas entreter os meninos, este espectáculo funciona. E funciona mesmo depois da apresentação porque as crianças tiveram acesso a um programa didáctico que lhes permite colorir, encontrar palavras, fazer jogos com a sequência das cenas e ainda recriar a cena recortando as personagens que aparecem na história. Muito bem conseguido.
O que não funcionou muito bem foram as condições de exequibilidade do recinto da Feira do Livro. As crianças sentaram-se no chão, próximas dos actores, e por isso ouviram a mensagem. O público em geral perdeu metade da mensagem por não ter havido uma amplificação de som adequada. Não perdeu a mensagem toda porque os bonecos são muito expressivos e, por si só, contam metade da história.
Poderíamos pensar que, se as crianças ouviram e viram o espectáculo, que os objectivos ficaram cumpridos, porque era um espectáculo para crianças. Mas o aproveitamento desta história pelos pais, para lhes complementarem a lição de vida que esta história encerra, ficou comprometido, e foi pena. Para além da criança que cada pai e cada mãe encerra dentro de si ter ficado triste por não ter podido usufruir do espectáculo como ele merecia. Mas isto tudo é uma aprendizagem e para o ano há mais.
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