No dia 3 de Abril o Teatro Municipal de Portimão levou à cena o espectáculo A Mãe, reescrito por Bertolt Brecht a partir do texto de Maximo Gorki. Gonçalo Amorim encenou o espectáculo, recriando o espírito de ruptura que Brecht operou em 1932. A Mãe conta a história de uma viúva cujo filho é operário que tenta esclarecer os seus companheiros distribuindo panfletos clandestinamente. O contexto histórico reporta-se ao período que antecede da revolução russa. Os operários reuniam-se em segredo e a sua luta era a de preservar o magro salário que o patrão tinha acordado. Uma história datada do princípio do séc. XX, apresentada em 1932 e, contudo, actual no séc. XXI. Em Portugal o texto de Brecht foi encenado pela Comuna há mais de 30 anos. Era o tempo de celebrar vitórias lembrando tempos que não se queria que voltassem. Hoje é importante mostrar que as vitórias de outrora estão a ser derrotadas pouco a pouco.
O espectáculo foi interpretado por 10 actores: Bruno Bravo, Carla Galvão, Carla Maciel, Carloto Cotta, David Pereira Bastos, Mónica Garnel, Paula Diogo, Pedro Carmo, Raquel Castro e Romeu Costa. Contou com música de Hanns Eisler tocada ao vivo por João Paulo Esteves da Silva. Neste espectáculo o espectador consegue entrar dentro da linha teatral de Brecht e aperceber-se do contexto político pelo qual aqueles operários e camponeses passaram durante aquele período crítico. Esses homens e mulheres vulgares foram a matéria-prima de onde extraiu o sentido épico, universal da vida. Brecht considerava essencial o desaparecimento da ilusão cénica que, segundo ele, pertencia ao teatro tradicional. Pretendia que o seu teatro, pela sua força poética, suscitasse por parte do espectador a crítica ao acontecimento contado em cena.
No caso do espectáculo A Mãe, a luta é pelo direito a um salário fixo, a direitos inalienáveis dos trabalhadores, ao direito à greve, ao direito à escolaridade mínima que possa proporcionar um olhar lúcido e esclarecido perante a vida. A Mãe fala acerca das batalhar travadas pelos trabalhadores e dos seus custos. Gonçalo Amorim fez questão de manter o efeito de distanciação, criado por Brecht. Segundo Brecht, Para o actor é difícil e cansativo provocar, em si, todas as noites, determinadas emoções ou determinados estados de alma; em contrapartida é-lhe mais fácil revelar os indícios externos que acompanham e denunciam essas emoções. Mas a transmissão de emoções ao espectador – contágio emocional – não é, decerto, uma transmissão pura e simples. Nela surge o efeito de distanciação, que não se apresenta sob uma forma despida de emoções, mas, sim, sob forma de emoções bem determinadas que não precisam de encobrir-se com as da personagem representada. Perante a mágoa, o espectador pode sentir alegria. Perante a raiva, repugnância. Neste espectáculo vimos os actores apresentarem-se depois de terem começado o acto de representação, vimo-los a entoarem belíssimas canções acompanhados ao piano e ao acordeão, apercebemo-nos da ficha técnica a meio do espectáculo, fomos invadidos por imagens, fotografias e dísticos projectados num écran e sofremos com os actores a dor de Pelagea Vlassova: a incansável Mãe que luta por mostrar que ainda há esperança de um mundo melhor. Foram muitas as contaminações de linhas, e estéticas, desde o teatro oriental até ao musical. No final, a imagem bela de uma mãe ainda com o filho no ventre, que estica a corda do sistema, largando-a com um violento som para que a humanidade ouça a voz da razão e possa lutar contra a injustiça.
Uma encenação conseguida, suportada por um excelente colectivo de actores que deslizou ao longo do espectáculo com o ritmo apropriado e com a cumplicidade esperada. Segundo Gonçalo Amorim este foi “um processo colectivo, uma viagem estética e de emancipação.” Todos nós ouvimos a nossa Pelagea Vlassova clamar por um mundo mais justo. Alguns de nós ficaram com vontade de transformar o mundo. Foi cumprido o projecto de Brecht. Quanto mais não seja por isso é justo lembrar as palavras do dramaturgo, escritas em 1934: Hoje, o escritor que deseje combater a mentira e a ignorância tem de lutar, pelo menos, com cinco dificuldades. É-lhe necessária a coragem de dizer a verdade, numa altura em que por toda a parte se empenham em sufocá-la; a inteligência de a reconhecer, quando por toda a parte a ocultam; a arte de a tornar manejável com uma arma; o discernimento suficiente para escolher aqueles em cujas mãos ela se tornará eficaz; finalmente precisa de ter habilidade para difundir entre eles. Estas dificuldades são grandes para os que escrevem sob o jugo do fascismo; aqueles que fugiram ou foram expulsos também sentem o peso delas; e até os que escrevem num regime de liberdade burguesa não estão livres da sua acção.
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