Friday, April 10, 2009

Vocês sabem o que é o verdadeiro Amor?


“Vocês Sabem o que é o verdadeiro Amor?” Esta é a pergunta inicial do espectáculo Modigliani, encenado por Luísa Monteiro e levado à cena pela Companhia de Teatro Contemporâneo. A adaptação dramatúrgica segue de perto o guião homónimo de Make Davis, protagonizado por Andy Garcia. No espectáculo da Companhia de Teatro Contemporâneo os espectadores puderam contar com as interpretações de Jorge Cabral, no papel de Modigliani, Luís Marreiros, interpretando Modigliani em adolescente, Mónica Cunha como Jeanne Hébuterne, Nuno Pardal como o agente Zbo e Marco Pedroza, interpretando Picasso. Como vozes off pudemos ouvir Miguel Martinho, Fernando André e Luísa Monteiro.
O espectáculo retrata os últimos tempos do pintor Modigliani. Desde o dia em que conheceu Jeanne Hébuterne até ao dia da sua morte. É uma homenagem à genialidade de um homem que não tendo conseguido a notoriedade de Picasso, promoveu o seu ciúme e caminhou a passos largos para a auto-destruição. Modigliani estudou em Veneza e Florença, antes de se fixar em Paris, em 1906. Instalou-se inicialmente em Montmartre, mudando-se depois para Montparnasse, onde pintaria algumas das suas telas mais conhecidas. Apaixonou-se por uma pintora de 17 anos, Jeanne Hebuterne, com a qual viveu uma paixão avassaladora que a levou ao suicídio, um dia depois da sua morte.
Modigliani é um espectáculo sobre o verdadeiro Amor. Sobre a essência da pintura e o alimento do verdadeiro Amor. Modigliani disse a Jeanne: quando conhecer a tua alma hei-de pintar os teus olhos. Esta promessa foi cumprida quando foi desocultada a tela que pintou para o concurso das artes de Paris, no qual se sagrou vencedor, com o retrato de Jeanne. Segundo a produção, «em Modigliani o espectador viaja até ao ano de 1919, em Paris. É o fim da I Grande Guerra e o período de ouro da arte. O Salão dos Artistas junta a elite artística de então, onde não falta a rivalidade e o ciúme, o que acontece entre Modigliani e Picasso, ambos pintores marcados pela genialidade, pela arrogância e pelas paixões. A paixão de um pelo outro, a paixão da pintura e… a paixão pela bela Jeanne Hébuterne. Jeanne é a heroína de um tempo único. Por amor à arte de Modigliani, a jovem entrega toda a sua vida. Literalmente». No espectáculo assiste-se ao enamoramento entre Jeanne e Modigliani. Jorge Cabral interpretou de forma bastante convincente o génio boémio de Modigliani. A Mónica Cunha já faltou o olhar apaixonado de quem abandona tudo pelo verdadeiro amor. Foi mais convincente na interpretação da loucura, e na tocante cena da despedida. Jeanne partiu com o perdão de quem percebeu que a sua vida tinha acabado com a de Modigliani. A doçura de Jeanne transforma-se em força, lançando-se para o abismo do amor. À dança de acasalamento faltou, contudo, a paixão que se pode observar no encontro de duas almas gémeas. A encenação utilizou como recurso a imagem de Modigliani em adolescente, ajudando-o na criação e aconselhando-o a preservar Jeanne e a sua vida. Esse daimon apresentava-se despojado de tudo, acocorado ao lado do cavalete do pintor. Talvez essa estrutura daimónica tivesse ganho uma dimensão mais estruturante para o espectáculo se tivesse conservado a figura da criança que viu os seus pais serem despojados dos seus bens, aprendendo a lição mais marcante: a sua única riqueza, o seu único bem, será a arte. A criança teve essa premonição, e é a criança que o acompanha na difícil fase da criação. O facto de se ter optado por um adolescente corta esse fio que Modigliani desenrola desde a infância. Quanto às outras personagens, Nuno Pardal apresenta-se com desenvoltura no papel do agente e amigo de Modigliani. Marco Pedroza aparece pouco agressivo como Picasso, sobretudo quando se confronta com Jorge Cabral.
Ao nível da opção de encenação, a ideia de espaço vazio domina a cena. É muito bonita a imagem da tela vazia passar por Jeanne quando Modigliani a retrata. Quase sentimos o arrebatamento de que Poe nos fala no seu conto O Retrato Oval. Quando Modigliani consegue, finalmente, pintar os olhos de Jeanne, ela morre por amor. Também é interessante a projecção no tecto das telas censuradas com os nus, na exposição individual de Modigliani. Mas a alma de Jeanne talvez merecesse ser revelada no final do espectáculo, quando exibem a tela do concurso em que Modigliani se sagrou vencedor no concurso anual dos artistas de Paris, projectando-a na tela em branco. Esse talvez fosse o momento necessário para o confronto entre a arte, o desejo e o amor. Todos os sentimentos que serviram a vida de Modigliani concentrados numa tela.
Os ritmos que os actores utilizavam nas suas contracenas eram os adequados. As pausas, as hesitações, os olhares constituíam, por si só, uma sinfonia latente que se sentia ao longo do espectáculo. Os actores, sobretudo nas interpretações de Modigliani e Jeanne, dialogavam através do silêncio, o que conferiu uma profundidade acrescida ao espectáculo. Mas se o espectáculo fala através dos olhares, dos ritmos, da pintura, dos corpos, sentiu-se a falta do vestido de veludo azul com que Jeanne pousou para Modigliani. Aquele vestido que ele roubou para lhe vestir a alma.
No geral foi um espectáculo tocante, com interpretações consistentes, com um suporte musical adequado às emoções que os actores transmitiam, mas ao qual faltou alguma paixão. Aquela que se tem quando se reconhece o verdadeiro amor.

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