Foi no dia 16 de Maio que a autarquia de Lagoa recebeu o espectáculo “O Dia das Mentiras”, encenado por Fernando e baseado num texto de Rui Mendes a partir de dois textos de Almeida Garrett.
O pano abriu e o público deparou com um cenário pouco usual. Um cenário de época, retratando o interior de um hotel em Lisboa no ano de 1932, da autoria de Fernando Gomes, enquadra o espectador no tempo da acção. Rui Mendes recriou O noivado no Dafundo e Falar verdade a Mentir, reenquadrando-os num musical passado na época do começo da ditadura em Portugal. A cena acontece no dia da tomada de posse de Presidente do Conselho de Ministros por António de Oliveira Salazar. Esse momento foi sendo anunciado ao longo do espectáculo com a introdução de registos magnéticos que as personagens ouviam através da sua telefonia. O autor fez o cruzamento desse dia, que foi o grande dia das mentiras para o país, com as comédias de Garrett. A vida do país real tinha de ser encarada como uma comédia, dada a dimensão trágica do contexto político-social. O português médio ocupava-se de ninharias, esquecendo-se do grande perigo que ameaçava o país. As aparências, o faz de conta, as ilusões de uma classe média baixa que se antevia numa outra estratificação são uma realidade temporalmente transversal e Garrett escreveu estes textos no princípio do séc. XIX como o poderia ter feito na primeira metade do séc. XX ou mesmo nos dias de hoje. A “glória de mandar e a vã cobiça” acompanham a humanidade, impedindo-a de ter a consciência crítica em pleno para poder discernir os perigos de uma ditadura que se disfarça de democracia, contribuindo para o atraso de um povo. Num mesmo hotel de Lisboa cruzam-se duas histórias imaginadas por Almeida Garrett: o casamento festivo da filha de um comerciante das ruas da Baixa alfacinha; e o encontro entre um pai e uma filha que acabam de chegar do Porto, com o galã lisboeta com quem ela sonha casar. Só que o jovem tem um enorme defeito: mente a torto e a direito. Tanto num caso como no outro as coisas não correm nada bem e as peripécias que acontecem acabam em engraçadíssimas situações de comédia. Verdades e mentiras misturam-se por entre os corredores deste hotel que cruza a história da comédia de costumes lisboeta com a tragédia anunciada de um país à beira de ser consumido pela ditadura.
O elenco, constituído por Ângela Pinto, Bruno Batista, Elsa Galvão, Igor Sampaio, Joana Brandão, João Braz, João Didelet, Luís Mascarenhas, Rogério Vieira, Rui Santos e Sofia Petinga, está equilibrado, notando-se ao longo de todo o espectáculo uma grande e bonita cumplicidade entre os actores. As canções, da autoria de João Paulo Soares, as coreografias, as brincadeiras anunciaram-nos uma ligação afectiva que foi sendo construída ao longo de alguns meses. Mas João Didelet destacou-se mostrando a multiplicidade de personagens que foi capaz de interpretar para conseguir tornar verdade as mentiras construídas por um dos galãs do espectáculo. Muito interessante o pormenor das fotografias retiradas às personagens quando estas entram em cena. O cenário realista transportou o espectador para a ambiência fascinante dos anos 30 bem como o guarda-roupa cuidado da autoria de Rafaela Mapril.
Prestando mais atenção ao actor de Lagoa, formado por encenadores como Figueira Cid e Rui Sérgio através da Associação Ideias do Levante, pode dizer-se que foi com muita emoção que o público de Lagoa viu um dos seus filhos integrar-se numa estrutura de renome da capital, voltando à sua terra natal com uma prestação digna de registo. O paquete, personagem interpretada por Bruno Baptista, presente ao longo de todo o espectáculo, é o suporte essencial de toda a companhia. Consegue perceber-se a procura de seriedade da personagem, pois notou-se alguma diferença entre a sessão apresentada em directo pela RTP no dia 27 de Março e a sessão de Lagoa. Bruno Baptista esteve mais sóbrio, não perdendo, contudo, o toque burlesco próprio da personagem. Bruno Baptista faz o retrato da sua própria personagem: "Gomes é um rapaz que nunca gostou de fazer nada. O seu pai ,não sabendo o que fazer com ele, falou com o seu amigo Ezequiel que era dono de um Hotel em Lisboa, e arranjou trabalho ao seu filho como paquete no Hotel. E assim lá foi o Gomes para Lisboa trabalhar. A vontade de fazer alguma coisa no Hotel é pouca. Gomes arrasta-se pelos corredores do hotel e faz tudo muito lentamente. O seu patrão, Ezequiel por vezes quase perde a paciência. Gomes não tem um feitio fácil, respondendo muitas vezes de forma imprevista às pessoas, sendo até arrogante e malcriado. Afinal, ele detesta que lhe dêem ordens ou que se "armem em importantes". Outra coisa que também detesta é que lhe chamem "menino". Ah, e também não suporta portas abertas pois acha que provocam correntes de ar. Quanto ao que ele gosta...bem, para além de não fazer nada, gosta também de escutar as conversas dos hospedes do Hotel, gosta de quem aprecie um bom vinho, bebendo também o seu copinho (apesar de ter de o fazer às escondidas pois Ezequiel não quer os empregados a beber). A relação com o seu patrão, Ezequiel, é de amor/ódio. Ezequiel é um segundo pai para o Gomes. Gomes até simpatiza com ele mas detesta receber ordens ou ser apressado nos seus afazeres." No final o público que lotou o auditório municipal de Lagoa aplaudiu entusiasticamente o espectáculo, acarinhando o actor que viu crescer em prestações que ficaram na memória da história cultural daquele concelho como Afonso III, de Ernesto Leal encenado por Figueira Cid ou O Solário, de Fernando Augusto, encenado por Rui Sérgio. Bruno Baptista falou com emoção da sua prestação neste espectáculo: “Quase não acredito no que me está a acontecer. Trabalhar a sério no teatro sempre foi um sonho de criança. Vê-lo agora concretizado desta maneira e com os actores que sempre admirei deixa-me muito feliz e quase sem palavras. Sinto-me mais vivo do que nunca. Afinal, viver é lutar para concretizar os sonhos. As emoções e os sentimentos estão ao rubro.” Entrando nesta produção devido a um acaso ocorrido no espectáculo A desobediência, também encenado por Rui Mendes, no qual fazia uma figuração, a vida foi acontecendo como se estivesse dentro de uma das histórias que se habituou a contar no Algarve. Todos esperamos que a história tenha um final feliz porque sabemos que Bruno Baptista o merece. Parabéns Bruno!
O pano abriu e o público deparou com um cenário pouco usual. Um cenário de época, retratando o interior de um hotel em Lisboa no ano de 1932, da autoria de Fernando Gomes, enquadra o espectador no tempo da acção. Rui Mendes recriou O noivado no Dafundo e Falar verdade a Mentir, reenquadrando-os num musical passado na época do começo da ditadura em Portugal. A cena acontece no dia da tomada de posse de Presidente do Conselho de Ministros por António de Oliveira Salazar. Esse momento foi sendo anunciado ao longo do espectáculo com a introdução de registos magnéticos que as personagens ouviam através da sua telefonia. O autor fez o cruzamento desse dia, que foi o grande dia das mentiras para o país, com as comédias de Garrett. A vida do país real tinha de ser encarada como uma comédia, dada a dimensão trágica do contexto político-social. O português médio ocupava-se de ninharias, esquecendo-se do grande perigo que ameaçava o país. As aparências, o faz de conta, as ilusões de uma classe média baixa que se antevia numa outra estratificação são uma realidade temporalmente transversal e Garrett escreveu estes textos no princípio do séc. XIX como o poderia ter feito na primeira metade do séc. XX ou mesmo nos dias de hoje. A “glória de mandar e a vã cobiça” acompanham a humanidade, impedindo-a de ter a consciência crítica em pleno para poder discernir os perigos de uma ditadura que se disfarça de democracia, contribuindo para o atraso de um povo. Num mesmo hotel de Lisboa cruzam-se duas histórias imaginadas por Almeida Garrett: o casamento festivo da filha de um comerciante das ruas da Baixa alfacinha; e o encontro entre um pai e uma filha que acabam de chegar do Porto, com o galã lisboeta com quem ela sonha casar. Só que o jovem tem um enorme defeito: mente a torto e a direito. Tanto num caso como no outro as coisas não correm nada bem e as peripécias que acontecem acabam em engraçadíssimas situações de comédia. Verdades e mentiras misturam-se por entre os corredores deste hotel que cruza a história da comédia de costumes lisboeta com a tragédia anunciada de um país à beira de ser consumido pela ditadura.
O elenco, constituído por Ângela Pinto, Bruno Batista, Elsa Galvão, Igor Sampaio, Joana Brandão, João Braz, João Didelet, Luís Mascarenhas, Rogério Vieira, Rui Santos e Sofia Petinga, está equilibrado, notando-se ao longo de todo o espectáculo uma grande e bonita cumplicidade entre os actores. As canções, da autoria de João Paulo Soares, as coreografias, as brincadeiras anunciaram-nos uma ligação afectiva que foi sendo construída ao longo de alguns meses. Mas João Didelet destacou-se mostrando a multiplicidade de personagens que foi capaz de interpretar para conseguir tornar verdade as mentiras construídas por um dos galãs do espectáculo. Muito interessante o pormenor das fotografias retiradas às personagens quando estas entram em cena. O cenário realista transportou o espectador para a ambiência fascinante dos anos 30 bem como o guarda-roupa cuidado da autoria de Rafaela Mapril.
Prestando mais atenção ao actor de Lagoa, formado por encenadores como Figueira Cid e Rui Sérgio através da Associação Ideias do Levante, pode dizer-se que foi com muita emoção que o público de Lagoa viu um dos seus filhos integrar-se numa estrutura de renome da capital, voltando à sua terra natal com uma prestação digna de registo. O paquete, personagem interpretada por Bruno Baptista, presente ao longo de todo o espectáculo, é o suporte essencial de toda a companhia. Consegue perceber-se a procura de seriedade da personagem, pois notou-se alguma diferença entre a sessão apresentada em directo pela RTP no dia 27 de Março e a sessão de Lagoa. Bruno Baptista esteve mais sóbrio, não perdendo, contudo, o toque burlesco próprio da personagem. Bruno Baptista faz o retrato da sua própria personagem: "Gomes é um rapaz que nunca gostou de fazer nada. O seu pai ,não sabendo o que fazer com ele, falou com o seu amigo Ezequiel que era dono de um Hotel em Lisboa, e arranjou trabalho ao seu filho como paquete no Hotel. E assim lá foi o Gomes para Lisboa trabalhar. A vontade de fazer alguma coisa no Hotel é pouca. Gomes arrasta-se pelos corredores do hotel e faz tudo muito lentamente. O seu patrão, Ezequiel por vezes quase perde a paciência. Gomes não tem um feitio fácil, respondendo muitas vezes de forma imprevista às pessoas, sendo até arrogante e malcriado. Afinal, ele detesta que lhe dêem ordens ou que se "armem em importantes". Outra coisa que também detesta é que lhe chamem "menino". Ah, e também não suporta portas abertas pois acha que provocam correntes de ar. Quanto ao que ele gosta...bem, para além de não fazer nada, gosta também de escutar as conversas dos hospedes do Hotel, gosta de quem aprecie um bom vinho, bebendo também o seu copinho (apesar de ter de o fazer às escondidas pois Ezequiel não quer os empregados a beber). A relação com o seu patrão, Ezequiel, é de amor/ódio. Ezequiel é um segundo pai para o Gomes. Gomes até simpatiza com ele mas detesta receber ordens ou ser apressado nos seus afazeres." No final o público que lotou o auditório municipal de Lagoa aplaudiu entusiasticamente o espectáculo, acarinhando o actor que viu crescer em prestações que ficaram na memória da história cultural daquele concelho como Afonso III, de Ernesto Leal encenado por Figueira Cid ou O Solário, de Fernando Augusto, encenado por Rui Sérgio. Bruno Baptista falou com emoção da sua prestação neste espectáculo: “Quase não acredito no que me está a acontecer. Trabalhar a sério no teatro sempre foi um sonho de criança. Vê-lo agora concretizado desta maneira e com os actores que sempre admirei deixa-me muito feliz e quase sem palavras. Sinto-me mais vivo do que nunca. Afinal, viver é lutar para concretizar os sonhos. As emoções e os sentimentos estão ao rubro.” Entrando nesta produção devido a um acaso ocorrido no espectáculo A desobediência, também encenado por Rui Mendes, no qual fazia uma figuração, a vida foi acontecendo como se estivesse dentro de uma das histórias que se habituou a contar no Algarve. Todos esperamos que a história tenha um final feliz porque sabemos que Bruno Baptista o merece. Parabéns Bruno!
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