Turismo Infinito marcou a estreia do Teatro Nacional de S. João no Teatro das Figuras. Uma estreia que se afigura promissora, a avaliar pela dignidade do espectáculo Turismo Infinito, de António M. Feijó, com encenação de Ricardo Pais.
Por vezes o sublime é um sentimento que custa a dissolver-se no universo fragmentado das sensações humanas, custando, por isso, a impor-se ao nível racional. Turismo Infinito, produzido pelo Teatro Nacional de S. João, é o paradigma de um espectáculo que a memória retém como pertencendo à categoria do sublime.
A cenografia de Manuel Aires Mateus, arquitecto cujo trabalho foi muito recentemente distinguido com o prestigiante Contractworld Award, é o que se impõe de forma quase agressiva ao espectador. Duas plataformas enormes, dando a ideia de uma estrada a caminhar para o infinito, anunciam o reflexo uma da outra, ao mesmo tempo que revelam a ideia de desequilíbrio. A plataforma de baixo abre-se em fendas mágicas, desocultando heterónimos pessoanos, que se assumem como entidades autónomas. O desenho de luz de Nuno Meira é de uma sensibilidade extrema, conseguindo captar os diversos matizes do universo pessoano em questão naquele texto. As personagens eram todas interpretadas por actores de primeiríssima água, fazendo justiça a Pessoa. O espectáculo é todo ele uma viagem intensa e profunda ao difícil universo pessoano. A cenografia abriga no seu interior o mundo subterrâneo do guarda-livros Bernardo Soares, do engenheiro naval Álvaro de Campos, da eterna namorada Ofélia Queiroz e do próprio mentor Fernando Pessoa. Alberto Caeiro já surge num plano superior, que paira acima dos outros fragmentos de personalidade e a corcunda Maria José, o único heterónimo pessoano feminino que se conhece, rasteja enquanto lê a carta ao carpinteiro, num registo tocante da actriz Emília Silvestre. Impressionante a forma como modifica o registo da leitura, subserviente e vitimizante, para uma postura de maioridade moral, perante o seu destino. João Reis está assombroso na interpretação de Álvaro de Campos. Com uma voz poderosa, que mostra a essência do excesso dado áquela personagem. Luís Araújo mostra-nos um Alberto Caeiro bucólico e sonhador, que se liberta das sombras e integra o mundo de forma panteísta, misturando-se com o poder da verbalização da beleza.
José Eduardo Silva traz-nos à memória o guarda-livros contra o qual continuamente lutamos. O inconformado que vocifera contra o patrão Vasques mas que tem medo de ousar uma mudança mais radical na sua vida. E o próprio Fernando Pessoa, interpretado por Pedro Almendra, que faz a intersecção de todas as personagens. Em todos eles se sente a beleza de uma dicção perfeita, que não é forçada, mas surge como um veículo natural do pensamento pessoano. Num tempo em que a língua portuguesa está continuamente a ser maltratada por entidades com responsabilidades acrescidas na sua transmissão, como locutores, jornalistas e até professores, é quase uma questão ética a necessidade da manutenção do uso correcto da Língua Portuguesa. Principalmente quando se trata da transmissão de ideias de um poeta que se tornou o maior embaixador da língua portuguesa no mundo.
“Sou a cena viva onde passam vários actores representando várias peças.” A frase que Bernardo Soares escreve pelo punho de Fernando Pessoa é uma das muitas epígrafes possíveis de Turismo Infinito. Porque as personagens navegam no infinito mar de sentidos e sensações do universo pessoano. Porque se encontram todas no “porto infinito” para onde as linhas paralelas se encontram, porque as personagens trocam entre si o sentido de ser, cruzando sombras e interseccionando sensações. O ritmo do espectáculo, lento, é imprescindível ao saborear das palavras e dos sentidos contidos nos textos de Pessoa e dos seus heterónimos.
Também Ofélia Queirós marca a sua presença no universo quase esquizofrénico entre Álvaro de Campos e Fernando Pessoa, quando comenta a carta de despedida do seu namorado, ditada ao engenheiro naval.
O guarda-roupa, cinzento, mostra a indefinição das personagens, fugindo ao contraste habitual do preto e branco, utilizado na poética de pessoa.
Este é um daqueles espectáculos que temos obrigação de ver, por foi superiormente encenada e magistralmente interpretada. É uma oportunidade quase única de ver um espectáculo que agarra o público sem que este tenha oportunidade de respirar, tantos são os estímulos estéticos de que se serve. A sua matéria prima assenta numa conjugação perfeita dos actores, da cenografia, da luz, da articulação das palavras, tudo orquestrado pelo talentoso encenador Ricardo Pais.
Um perfeito tributo a Pessoa. Um espectáculo inesquecível.
Por vezes o sublime é um sentimento que custa a dissolver-se no universo fragmentado das sensações humanas, custando, por isso, a impor-se ao nível racional. Turismo Infinito, produzido pelo Teatro Nacional de S. João, é o paradigma de um espectáculo que a memória retém como pertencendo à categoria do sublime.
A cenografia de Manuel Aires Mateus, arquitecto cujo trabalho foi muito recentemente distinguido com o prestigiante Contractworld Award, é o que se impõe de forma quase agressiva ao espectador. Duas plataformas enormes, dando a ideia de uma estrada a caminhar para o infinito, anunciam o reflexo uma da outra, ao mesmo tempo que revelam a ideia de desequilíbrio. A plataforma de baixo abre-se em fendas mágicas, desocultando heterónimos pessoanos, que se assumem como entidades autónomas. O desenho de luz de Nuno Meira é de uma sensibilidade extrema, conseguindo captar os diversos matizes do universo pessoano em questão naquele texto. As personagens eram todas interpretadas por actores de primeiríssima água, fazendo justiça a Pessoa. O espectáculo é todo ele uma viagem intensa e profunda ao difícil universo pessoano. A cenografia abriga no seu interior o mundo subterrâneo do guarda-livros Bernardo Soares, do engenheiro naval Álvaro de Campos, da eterna namorada Ofélia Queiroz e do próprio mentor Fernando Pessoa. Alberto Caeiro já surge num plano superior, que paira acima dos outros fragmentos de personalidade e a corcunda Maria José, o único heterónimo pessoano feminino que se conhece, rasteja enquanto lê a carta ao carpinteiro, num registo tocante da actriz Emília Silvestre. Impressionante a forma como modifica o registo da leitura, subserviente e vitimizante, para uma postura de maioridade moral, perante o seu destino. João Reis está assombroso na interpretação de Álvaro de Campos. Com uma voz poderosa, que mostra a essência do excesso dado áquela personagem. Luís Araújo mostra-nos um Alberto Caeiro bucólico e sonhador, que se liberta das sombras e integra o mundo de forma panteísta, misturando-se com o poder da verbalização da beleza.
José Eduardo Silva traz-nos à memória o guarda-livros contra o qual continuamente lutamos. O inconformado que vocifera contra o patrão Vasques mas que tem medo de ousar uma mudança mais radical na sua vida. E o próprio Fernando Pessoa, interpretado por Pedro Almendra, que faz a intersecção de todas as personagens. Em todos eles se sente a beleza de uma dicção perfeita, que não é forçada, mas surge como um veículo natural do pensamento pessoano. Num tempo em que a língua portuguesa está continuamente a ser maltratada por entidades com responsabilidades acrescidas na sua transmissão, como locutores, jornalistas e até professores, é quase uma questão ética a necessidade da manutenção do uso correcto da Língua Portuguesa. Principalmente quando se trata da transmissão de ideias de um poeta que se tornou o maior embaixador da língua portuguesa no mundo.
“Sou a cena viva onde passam vários actores representando várias peças.” A frase que Bernardo Soares escreve pelo punho de Fernando Pessoa é uma das muitas epígrafes possíveis de Turismo Infinito. Porque as personagens navegam no infinito mar de sentidos e sensações do universo pessoano. Porque se encontram todas no “porto infinito” para onde as linhas paralelas se encontram, porque as personagens trocam entre si o sentido de ser, cruzando sombras e interseccionando sensações. O ritmo do espectáculo, lento, é imprescindível ao saborear das palavras e dos sentidos contidos nos textos de Pessoa e dos seus heterónimos.
Também Ofélia Queirós marca a sua presença no universo quase esquizofrénico entre Álvaro de Campos e Fernando Pessoa, quando comenta a carta de despedida do seu namorado, ditada ao engenheiro naval.
O guarda-roupa, cinzento, mostra a indefinição das personagens, fugindo ao contraste habitual do preto e branco, utilizado na poética de pessoa.
Este é um daqueles espectáculos que temos obrigação de ver, por foi superiormente encenada e magistralmente interpretada. É uma oportunidade quase única de ver um espectáculo que agarra o público sem que este tenha oportunidade de respirar, tantos são os estímulos estéticos de que se serve. A sua matéria prima assenta numa conjugação perfeita dos actores, da cenografia, da luz, da articulação das palavras, tudo orquestrado pelo talentoso encenador Ricardo Pais.
Um perfeito tributo a Pessoa. Um espectáculo inesquecível.
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