O teatro da Serra de Montemuro desceu à planície mostrando como as agruras da montanha podem guardar uma ternura ilimitada. Amor foi o espectáculo apresentado a partir do texto homónimo do encenador Eduardo Correia que também integra o elenco do grupo.
“O Amor é como uma pequena planta silvestre que se instala atrevidamente no nosso jardim, depois vai crescendo, e levemente contagia todas as outras plantas que se deixam seduzir por todo o seu encanto e levemente vão descansar à sua sombra. Quando o sol raia nas traiçoeiras manhãs primaveris, eis que ela abre as suas pétalas e vê milhares de plantas iguais a ela, até parece que o próprio vento se rendeu ao seu encanto e cada vez que sopra ainda a torna mais bela. Quando chegam as frias chuvas do adiantado Outono ela curva – se sobre o tronco e desliza suavemente até à raiz que já está preparada para a época que se avizinha, sabendo sempre que haverá dias de sol… Quando alguém se aproxima, ela perfuma – se, ficam vaidosa sabendo que ira ser levada com carinho e depois oferecida com muito, muito amor.” No dia 14 de Fevereiro o teatro da Serra de Montemuro apresentou no Teatro Lethes o espectáculo Amor. Com um elenco de seis actores, Abel Duarte, Paulo Duarte, Daniela Vieitas, Carlos Cal, Neusa Fangueiro e Rodrigo Viterbo, o espectáculo recria um universo em que as personagens encontram o melhor de si num contexto de guerra. Com texto Eduardo Correia, que assina também a encenação, o espectáculo assenta num cenário imponente, assinado por Purvin, que tem características quase orgânicas. Transforma-se e transforma o olhar do espectador, à medida que vai evoluindo. Abre-se nas suas reentrâncias, desocultando entradas secretas que escondem casas, gavetas, túmulos, esconderijos, guaritas.
O espectáculo começa com a preparação dos soldados para o acampamento. As conversas de caserna impõem-se na noite que antecede a batalha. Os medos disfarçados, os revoltados, a submissão à autoridade, evidenciam-se nas noites em que os soldados acampam e se preparam para a guerra. A camaradagem estreita laços e o companheirismo entre dois soldados desafia a autoridade, fazendo com que eles trocassem de posição no dia de combate. A morte de um companheiro de batalha que tomou a vez do soldado cria um enorme peso na consciência e leva a que os pais, ao saberem da notícia, se deixem morrer, perdidos na serra.
O soldado sobrevivente parte em busca da família do companheiro que morreu por ele na batalha e descobre os pais do jovem desolados, que se iluminam quando o vêem. No fim da trama descobre-se que os soldados eram gémeos, separados à nascença, e que aqueles pais iriam ter a oportunidade de voltar a viver com aquele filho. Este enredo Shakespeareano um pouco enredado retirou alguma da vivacidade e da frescura do espectáculo. A duplicação de papéis, como a tia / mãe dos soldados, Interpretada por Daniela Vieitas, evidencia um trabalho da actriz empenhado e sério, que dá prazer observar. A entrega dos actores a este trabalho está bem patente e o resultado global é um trabalho equilibrado. As mudanças de cenário ajudam a manter o ritmo do espectáculo e a ultrapassar a extensão excessiva do texto.
A cena final, na qual se utilizou o recurso a máscaras expressivas de Lazarim, foi hilariante e serviu para desanuviar o drama daquela família dividida. Dever-se-ia ter utilizado mais esse recurso, mesmo que não fosse num registo cómico, pois a máscara ajuda a criar a agrura de certas personagens e a construir uma certa ambiência de rudeza que, neste caso, teria surtido um efeito muito positivo. Foi bonita a homenagem que os actores fizeram aos técnicos do Teatro Lethes, apelidando-os de “santos” na procissão que decorreu na terra da família beirã. A relação entre a psicóloga e o soldado foi bonita ao princípio, quando eles ainda só se conheciam pela voz, quando conversavam pelo telefone, antepassado das conversas on-line, mas não conseguiu encontrar sustentação quando se conheceram ao vivo. O texto não tem uma consistência que admita a verosimilhança de que a história precisa. Mas, graças ao trabalho dos actores, da cenografia e da luz, concebida por Paulo Duarte, o espectáculo foi bem conseguido.
O Teatro Regional da Serra de Montemuro inspira-se na cultura popular, de raízes assumidamente no meio rural, tendo o cuidado de criar espectáculos que convidem à reflexão. Neste espectáculo os objectivos foram amplamente alcançados.
Este grupo, que desde 2003 nos habituou a espectáculos de qualidade como A Eira dos Cães, dirigido por Graeme Pulleyn, que nos trouxe uma magnífica recriação de MacBeth, Sucata Sisters, também encenado por Graeme Pulleyn, utiliza o humor negro, cruzando-o com o cinema mudo, desconcertando o espectador até ao último minuto, e, por último Ubelhas, Mutantes e Transumantes, dirigido por Gil Nave, em co-produção com o teatro das Beiras, mostrou-nos, uma vez mais, que o grande teatro também se faz fora das grandes capitais. Na serra e na planície.
“O Amor é como uma pequena planta silvestre que se instala atrevidamente no nosso jardim, depois vai crescendo, e levemente contagia todas as outras plantas que se deixam seduzir por todo o seu encanto e levemente vão descansar à sua sombra. Quando o sol raia nas traiçoeiras manhãs primaveris, eis que ela abre as suas pétalas e vê milhares de plantas iguais a ela, até parece que o próprio vento se rendeu ao seu encanto e cada vez que sopra ainda a torna mais bela. Quando chegam as frias chuvas do adiantado Outono ela curva – se sobre o tronco e desliza suavemente até à raiz que já está preparada para a época que se avizinha, sabendo sempre que haverá dias de sol… Quando alguém se aproxima, ela perfuma – se, ficam vaidosa sabendo que ira ser levada com carinho e depois oferecida com muito, muito amor.” No dia 14 de Fevereiro o teatro da Serra de Montemuro apresentou no Teatro Lethes o espectáculo Amor. Com um elenco de seis actores, Abel Duarte, Paulo Duarte, Daniela Vieitas, Carlos Cal, Neusa Fangueiro e Rodrigo Viterbo, o espectáculo recria um universo em que as personagens encontram o melhor de si num contexto de guerra. Com texto Eduardo Correia, que assina também a encenação, o espectáculo assenta num cenário imponente, assinado por Purvin, que tem características quase orgânicas. Transforma-se e transforma o olhar do espectador, à medida que vai evoluindo. Abre-se nas suas reentrâncias, desocultando entradas secretas que escondem casas, gavetas, túmulos, esconderijos, guaritas.
O espectáculo começa com a preparação dos soldados para o acampamento. As conversas de caserna impõem-se na noite que antecede a batalha. Os medos disfarçados, os revoltados, a submissão à autoridade, evidenciam-se nas noites em que os soldados acampam e se preparam para a guerra. A camaradagem estreita laços e o companheirismo entre dois soldados desafia a autoridade, fazendo com que eles trocassem de posição no dia de combate. A morte de um companheiro de batalha que tomou a vez do soldado cria um enorme peso na consciência e leva a que os pais, ao saberem da notícia, se deixem morrer, perdidos na serra.
O soldado sobrevivente parte em busca da família do companheiro que morreu por ele na batalha e descobre os pais do jovem desolados, que se iluminam quando o vêem. No fim da trama descobre-se que os soldados eram gémeos, separados à nascença, e que aqueles pais iriam ter a oportunidade de voltar a viver com aquele filho. Este enredo Shakespeareano um pouco enredado retirou alguma da vivacidade e da frescura do espectáculo. A duplicação de papéis, como a tia / mãe dos soldados, Interpretada por Daniela Vieitas, evidencia um trabalho da actriz empenhado e sério, que dá prazer observar. A entrega dos actores a este trabalho está bem patente e o resultado global é um trabalho equilibrado. As mudanças de cenário ajudam a manter o ritmo do espectáculo e a ultrapassar a extensão excessiva do texto.
A cena final, na qual se utilizou o recurso a máscaras expressivas de Lazarim, foi hilariante e serviu para desanuviar o drama daquela família dividida. Dever-se-ia ter utilizado mais esse recurso, mesmo que não fosse num registo cómico, pois a máscara ajuda a criar a agrura de certas personagens e a construir uma certa ambiência de rudeza que, neste caso, teria surtido um efeito muito positivo. Foi bonita a homenagem que os actores fizeram aos técnicos do Teatro Lethes, apelidando-os de “santos” na procissão que decorreu na terra da família beirã. A relação entre a psicóloga e o soldado foi bonita ao princípio, quando eles ainda só se conheciam pela voz, quando conversavam pelo telefone, antepassado das conversas on-line, mas não conseguiu encontrar sustentação quando se conheceram ao vivo. O texto não tem uma consistência que admita a verosimilhança de que a história precisa. Mas, graças ao trabalho dos actores, da cenografia e da luz, concebida por Paulo Duarte, o espectáculo foi bem conseguido.
O Teatro Regional da Serra de Montemuro inspira-se na cultura popular, de raízes assumidamente no meio rural, tendo o cuidado de criar espectáculos que convidem à reflexão. Neste espectáculo os objectivos foram amplamente alcançados.
Este grupo, que desde 2003 nos habituou a espectáculos de qualidade como A Eira dos Cães, dirigido por Graeme Pulleyn, que nos trouxe uma magnífica recriação de MacBeth, Sucata Sisters, também encenado por Graeme Pulleyn, utiliza o humor negro, cruzando-o com o cinema mudo, desconcertando o espectador até ao último minuto, e, por último Ubelhas, Mutantes e Transumantes, dirigido por Gil Nave, em co-produção com o teatro das Beiras, mostrou-nos, uma vez mais, que o grande teatro também se faz fora das grandes capitais. Na serra e na planície.
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