Sexta-feira foi o nome de um espectáculo apresentado no Teatro das Figuras pelo grupo Teatro do Ferro, sob a encenação de Igor Gandra. O grande público poderia ter pensado: mais um texto sobre a história do náufrago Robinson Crusoé, que encontra o selvagem ao qual baptiza com o nome do dia da semana encontrado. Mas a partir desta história o Teatro do Ferro convidou o público a fazer uma viagem ao seu interior profundo através de um universo simbólico. O espectáculo foi concebido a partir de uma instalação de Fernanda Fragateiro e de um workshop, ocorrido em Maio passado no Solar do Capitão-Mor, com pessoas de Faro. Nesse workshop encontraram-se pessoas com diferentes experiências e de diversas idades, o que abriu as portas ao ecletismo observado ao nível da evolução do espectáculo final.
O espectáculo começa no exterior do Teatro das Figuras. Os quatro actores aproveitaram o alpendre sobre a fachada principal e reconstruíram a viagem de barco de Crusoé. O público foi convidado a colocar uns auscultadores através dos quais ouvia os sons a ele inerentes. Ao princípio era a música empolgante. Os quatro actores, de cima da plataforma do teatro, mostravam o orgulho dos conquistadores dos mares através de uma coreografia que remeteu de imediato para os símbolos que iriam ser utilizados no espectáculo. Marchando como marinheiros, os actores serviram-se de sacos de plástico brancos, com os quais mostravam pequenos utensílios domésticos que iriam ser fundamentais para a sobrevivência na ilha, como a luneta, a pá, o caldeirão ou o martelo. Depois deste início algo surpreendente o público foi convidado a deslocar-se até à sala de espectáculo, no interior do Teatro das Figuras. A sala tinha-se transformado num imenso espaço onírico, criado pela vasta névoa que nascia do palco. O espaço de representação acolheu os espectadores, que se sentaram numa pequena plataforma ao longo da boca de cena, próximos dos destroços do navio naufragado na ilha. A ilha era constituída por enormes construções em madeira, fruto do empenho de Crusoé ao longo das duas décadas de sobrevivência na ilha. Os espectadores iam ouvindo o texto através dos auscultadores, misturado com as sonoridades fortes da música original. O cenário, construído quase exclusivamente por paletes de madeira, contribuía para a ideia de prisão, da qual partilham muitos ilhéus. A disposição das paletes e o desenho de luz contribuíram para a construção de uma narrativa simbólica, através da qual o espectador poderia viajar através das suas próprias prisões. Os actores seguiam o ritmo forte da música, evoluindo dentro do cenário de grandes dimensões, subindo às árvores, acima de rochedos, de escarpas, permanecendo no areal. Tudo isso lhes foi dado ver através da movimentação coreográfica dos actores e com a ajuda do texto que ia sendo interiorizado através dos auscultadores. Como adereços de cena os actores serviram-se de sacos de plástico brancos. Esses adereços transformavam-se, através de uma linguagem corporal forte e da utilização correcta do adereço, naquilo que se queria ver. Desde pequenos animais até pequenos utensílios domésticos, até à imagem simbólica do sufoco de quem está numa prisão insular e não antevê uma hipótese de se libertar. O desenho de luz, belíssimo, oferece ao público a visão de uma selva através da qual o sol penetra por entre as folhagens. Feita a inserção do público no universo de Crusoé, é convidado mais uma vez a seguir os actores até um espaço por detrás do palco, onde está um pequeno biombo, no qual estão a ser projectadas cenas do filme Sexta-Feira, Vida Selvagem. Esse é o local do encontro entre os dois seres humanos. O receio mútuo, a fuga da tribo dos canibais, o espírito colonizador de Robinson e a capacidade de entrega de Sexta-feira, o ser que começou a partilhar o universo insular do náufrago. A dificuldade de comunicação é exposta através do corpo e da exibição do alfabeto da língua gestual. Sem formar palavras, só através da ostentação do alfabeto, como primeiro passo para a abstracção simbólica de uma comunicação verbal. Robinson é salvo e regressa ao velho mundo. Assim os quatro actores são resgatados por motards, nas traseiras do teatro, após o fim infeliz de sexta-feira. Acenam e partem à boleia dos motociclos, regressando ao seu mundo. O público também regressa ao mundo de Robinson e encontra o universo simbólico repleto de sacos brancos. Os sacos brancos invadiram as lianas, as pequenas casas de madeira, e colaram-se também aos próprios espectadores. A invasão do espaço virgem pelo plástico pode ser a metáfora de uma invasão do homem que está aos poucos a destruir a sua própria essência. Os espectadores partiram com o legado do náufrago nos seus pulsos, assim como à Terra está a ser imposto o legado do Homem contemporâneo.
O isolamento do homem perante os outros e perante o mundo é sustentado simbolicamente através dos auscultadores, que o isolam, mantendo o espectador a assistir a um espectáculo sozinho, no meio de muitos. Outros, iguais, mas mantendo a distância perante si próprios e perante o mundo. Um isolamento de um mundo de plástico, matéria ela própria isolante, que corta a ligação à Natureza e à Terra-Mãe. No fundo, um isolamento perante si próprio.
Sexta-feira é um espectáculo que, mobilizando o grande público, convida a uma reflexão profunda sobre o universo interior do próprio Homem. Náufragos de nós próprios, os actores mostraram que a insularidade é um estado de espírito que pode assaltar qualquer um de nós. Os figurinos neutros evidenciam a figura humana, abrindo o olhar também para a diferença de género, não se circunscrevendo a dramaturgia à figura do homem. As actrizes apresentam um figurino marcadamente feminino dentro da neutralidade, expondo o microcosmos da humanidade, composto pelo masculino e pelo feminino.
O espectáculo começa no exterior do Teatro das Figuras. Os quatro actores aproveitaram o alpendre sobre a fachada principal e reconstruíram a viagem de barco de Crusoé. O público foi convidado a colocar uns auscultadores através dos quais ouvia os sons a ele inerentes. Ao princípio era a música empolgante. Os quatro actores, de cima da plataforma do teatro, mostravam o orgulho dos conquistadores dos mares através de uma coreografia que remeteu de imediato para os símbolos que iriam ser utilizados no espectáculo. Marchando como marinheiros, os actores serviram-se de sacos de plástico brancos, com os quais mostravam pequenos utensílios domésticos que iriam ser fundamentais para a sobrevivência na ilha, como a luneta, a pá, o caldeirão ou o martelo. Depois deste início algo surpreendente o público foi convidado a deslocar-se até à sala de espectáculo, no interior do Teatro das Figuras. A sala tinha-se transformado num imenso espaço onírico, criado pela vasta névoa que nascia do palco. O espaço de representação acolheu os espectadores, que se sentaram numa pequena plataforma ao longo da boca de cena, próximos dos destroços do navio naufragado na ilha. A ilha era constituída por enormes construções em madeira, fruto do empenho de Crusoé ao longo das duas décadas de sobrevivência na ilha. Os espectadores iam ouvindo o texto através dos auscultadores, misturado com as sonoridades fortes da música original. O cenário, construído quase exclusivamente por paletes de madeira, contribuía para a ideia de prisão, da qual partilham muitos ilhéus. A disposição das paletes e o desenho de luz contribuíram para a construção de uma narrativa simbólica, através da qual o espectador poderia viajar através das suas próprias prisões. Os actores seguiam o ritmo forte da música, evoluindo dentro do cenário de grandes dimensões, subindo às árvores, acima de rochedos, de escarpas, permanecendo no areal. Tudo isso lhes foi dado ver através da movimentação coreográfica dos actores e com a ajuda do texto que ia sendo interiorizado através dos auscultadores. Como adereços de cena os actores serviram-se de sacos de plástico brancos. Esses adereços transformavam-se, através de uma linguagem corporal forte e da utilização correcta do adereço, naquilo que se queria ver. Desde pequenos animais até pequenos utensílios domésticos, até à imagem simbólica do sufoco de quem está numa prisão insular e não antevê uma hipótese de se libertar. O desenho de luz, belíssimo, oferece ao público a visão de uma selva através da qual o sol penetra por entre as folhagens. Feita a inserção do público no universo de Crusoé, é convidado mais uma vez a seguir os actores até um espaço por detrás do palco, onde está um pequeno biombo, no qual estão a ser projectadas cenas do filme Sexta-Feira, Vida Selvagem. Esse é o local do encontro entre os dois seres humanos. O receio mútuo, a fuga da tribo dos canibais, o espírito colonizador de Robinson e a capacidade de entrega de Sexta-feira, o ser que começou a partilhar o universo insular do náufrago. A dificuldade de comunicação é exposta através do corpo e da exibição do alfabeto da língua gestual. Sem formar palavras, só através da ostentação do alfabeto, como primeiro passo para a abstracção simbólica de uma comunicação verbal. Robinson é salvo e regressa ao velho mundo. Assim os quatro actores são resgatados por motards, nas traseiras do teatro, após o fim infeliz de sexta-feira. Acenam e partem à boleia dos motociclos, regressando ao seu mundo. O público também regressa ao mundo de Robinson e encontra o universo simbólico repleto de sacos brancos. Os sacos brancos invadiram as lianas, as pequenas casas de madeira, e colaram-se também aos próprios espectadores. A invasão do espaço virgem pelo plástico pode ser a metáfora de uma invasão do homem que está aos poucos a destruir a sua própria essência. Os espectadores partiram com o legado do náufrago nos seus pulsos, assim como à Terra está a ser imposto o legado do Homem contemporâneo.
O isolamento do homem perante os outros e perante o mundo é sustentado simbolicamente através dos auscultadores, que o isolam, mantendo o espectador a assistir a um espectáculo sozinho, no meio de muitos. Outros, iguais, mas mantendo a distância perante si próprios e perante o mundo. Um isolamento de um mundo de plástico, matéria ela própria isolante, que corta a ligação à Natureza e à Terra-Mãe. No fundo, um isolamento perante si próprio.
Sexta-feira é um espectáculo que, mobilizando o grande público, convida a uma reflexão profunda sobre o universo interior do próprio Homem. Náufragos de nós próprios, os actores mostraram que a insularidade é um estado de espírito que pode assaltar qualquer um de nós. Os figurinos neutros evidenciam a figura humana, abrindo o olhar também para a diferença de género, não se circunscrevendo a dramaturgia à figura do homem. As actrizes apresentam um figurino marcadamente feminino dentro da neutralidade, expondo o microcosmos da humanidade, composto pelo masculino e pelo feminino.
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