Nortada, de Olga Roriz, é uma viagem de afectos. Uma viagem ao país da infância da coreógrafa, onde nunca viveu, mas de onde guarda gratas memórias. Nortada arrepia, tal como o vento com que partilha o nome. Ao chegar à sala de espectáculo o espectador depara-se com uma imensa e vasta planície plena de searas de milho. Uma imensidão que preenche o espaço. Olga Roriz foi convidada para fazer uma homenagem à sua cidade de origem, repto a que correspondeu com carinho.
Olga Roriz mostra bem a generosidade e a tradição das gentes do Norte. Neste trabalho deparamo-nos com os rituais da família, concentrando várias fases do espectáculo à volta de uma mesa. A família come de forma ritmada e quase sagrada, contendo as palavras. Em oposição a esta atitude sóbria da refeição à volta da mesa de família assume-se o ser divertido e extático do ser português quando se liberta e procura divertir-se com uma garrafa de vinho. Branco, tinto ou verde, convertem-se na euforia de um sentir português que se consubstancia na boa disposição do povo do Norte.
Neste espectáculo podemos sentir de uma forma mais próxima as relações entre as pessoas. Relações contrastantes entre o peso da tradição, das noivas de Viana das relações convencionais, do domínio do homem sobre a mulher. Mas é também sobre a delicadeza dos bordados tecidos por milenares mãos de mulheres, sobre a solidão e a cumplicidade das mulheres que trajam de negro. E essa solidão contrasta com a euforia das festas, das procissões, dos bailes de aldeia. E, se num momento as mulheres estão a navegar num mar de solidão, planando sobre as searas, no instante seguinte estão em festa, partilhando a alegria com os seus familiares que foram viver para fora e que regressam nessa altura. A música festiva dá o mote para os bailarinos se entregarem à expressão à volta de uma mesa que antecipa um casamento, ou um baptizado, ou a comemoração da família estar reunida.
É um espectáculo que, sendo dançado na Terra evoca o mar sempre presente em Viana Do Castelo. Olga Roriz serviu-se de poucas sonoridades para colorir os corpos que mostram a alma de Viana. Amália Rodrigues, com o seu hino “havemos de ir a Viana” inicia o espectáculo. Depois a fragmentação exige sonoridades diferentes que vão desde os Dead Combo, as mornas, os cantos tradicionais do Norte até ao peso de Corelli. Um prazer para os sentidos, uma homenagem a Viana do Castelo, uma lição que parte das memórias, na nostalgia, e chega ao coração.
Os cinco bailarinos de Olga Roriz, Catarina Câmara, Rafaela Salvador, Sylvia Rijmer, Bruno Alexandre e Pedro Santiago Cal ofereceram o corpo às memórias de uma terra generosa correndo entre as searas, sofrendo com as águas geladas de Viana, libertando a alma com a euforia do vinho verde, divertindo-se nas festas e romarias com os reencontros e o deslumbramento dos foguetes.
Como revela a coreógrafa, “Nortada é um espectáculo sobre as memórias dessa minha terra onde nunca vivi mas que guardo os mais fortes momentos de infância e adolescência.
Tudo nessa terra me é familiar apesar de tanta ser a distância e maior ainda a ausência.
Foi exactamente nesse lugar de confronto entre a incontornável distância e a profunda proximidade afectiva que nasceu, se desenvolveu e construiu esta peça.
Nortada situa-se num lugar invadido de nostalgia, de saudade, de intimidade.
Cada memória feita imagem é carregada de um simbolismo quase inocente como o olhar dessa criança que fui.”
Com cenografia de Pedro Santiago Cal e desenho de luz de Cristina Piedade Nortada dá continuidade à assinatura de excelência a que Olga Roriz nos habituou. Entre o cruel, o irónico e o belo Olga Roriz conseguiu criar um trabalho sublime.
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