Sunday, September 6, 2009

A descentralização cultural


Carolina Martins, Carolina Galvão, Carolina Santos, Bárbara Catarino, Maria Coutinho e Rita Martins são seis jovens que, desde Outubro experimentaram dar os primeiros passo numa oficina de teatro coordenada por Pedro Monteiro. Nessa formação, que as ocupava duas horas por semana, criaram um argumento de uma peça que foi tomando forma ao longo dos vários meses de trabalho. As improvisações criadas nessa oficina de formação permitiram que as jovens formandas, todas com 14 anos, descobrissem as diferentes formas de utilizarem a voz, o corpo, a interacção entre elas. Partindo das próprias vivências e de figuras lendárias conhecidas do universo infantil o grupo Teatro Vilão criaram a história de um grupo de ratos que escapa por pouco ao destino dos laboratórios e das experiências científicas. Ratices, foi o nome deste pequeno trabalho que percorreu três freguesias onde é difícil fazer chegar o teatro.
Ao depararem-se com o pequeno espaço na aldeia de Cachopo, onde iriam actuar, as jovens actrizes julgaram ser uma missão quase impossível fazer o seu trabalho num espaço exíguo. Mas depois de alguma adaptação feita pelo formador Pedro Monteiro, logo perceberam que o teatro pode acontecer com a ajuda de três projectores, do seu corpo e da sua voz. As cerca de 20 pessoas que estavam na assistência deliciaram-se com as aventuras dos ratinhos, do gato e da sua diabólica dona Camila. As jovens actrizes, para além de saberem jogar com as qualidades dos animais que imitavam, tinham um domínio do espaço e do objecto imaginário bastante convincente. A voz, bem colocada, saia sem medo de ser usada e toda a movimentação pressupunha um intenso trabalho de corpo por detrás. Os figurinos eram neutros, não havia bastidores, mas o público conseguia perceber quando é que as actrizes estavam em cena e fora de cena, qual a personagem que interpretavam e qual o objecto que tinham na mão. A actriz que interpretava o ratinho cego dava uma imagem muito nítida da sua bengala, sem que esta existisse fisicamente e todas as outras conseguiam pegar nos objectos, dando-lhes a respectiva forma, sem que eles estivessem de facto nas suas mãos. E o público via uma garrafa, um frasco, um caldeirão.
A cena em que o ratinho cego se escapa do hipnotismo e apela à ajuda das bruxas é hilariante e tem força dramática. Naquela cena há uma interacção entre todas as actrizes que transformam o corpo, a voz e a movimentação em cena num momento teatral muito especial. As luzes baixam e as bruxas evocam as suas forças para poderem libertar os ratinhos que estão no laboratório, prontos para serem cobaias nas experiências científicas. E a movimentação delas é tal que evoca um concílio de feiticeiras de uma forma verosímil.
O final, como é costume neste tipo de processo, foi um pouco abrupto, sucumbindo a cruel Camila ao som de música Pop, transformada em queijo, devorada pelos ratos que, por sua vez, são finalmente presos na armadilha do gato, que deixa de ser falhado. A história aponta para uma visão, segundo a qual não existem vencedores. Todos somos de alguma forma parte de uma longa cadeia alimentar, real ou metafórica e, algum dia, sem estarmos à espera, seremos engolidos pelo sistema.
O saldo foi positivo. Os sorrisos voltaram às faces dos habitantes de Cachopo e, abrindo a agenda do IPJ temos a sensação de que recuámos 10 anos, ao tempo em que aquela Instituição era de facto uma casa viva, que apoiava a Juventude e as Associações.

No comments: