Sunday, July 1, 2012
Uma voz universal
Carolina Cantinho apresentou no Teatro das Figuras a sua criação Outra Voz. Uma criação feitas de pedaços de vozes que se juntaram numa harmonia de corpos. Um trabalho excelente de uma jovem coreógrafa.
“Outra voz é uma voz coletiva. Uma voz sem palavras que se faz ouvir e sentir”. Este foi o projeto que Carolina Cantinho concretizou no Teatro das Figuras. Acompanhada por Beatriz Gonçalves, Filipa Cavaco, Joana Glória e Sophia Rosa Carolina Cantinho conseguiu traduzir o conceito de comunidade num jogo de corpos e vozes que se articularam de forma convincente. As cinco intérpretes cruzam o espaço claro do palco do Teatro das figuras fazendo-se acompanhar de um microfone com um longo fio que as liga ao exterior. Elas são as vozes que escutam do exterior; seja de uma menina de 8 anos, seja de uma mulher madura. As vozes invadem as bailarinas, que cruzam os fios e interpretam as emoções dos penitentes corpos que aguardam uma ligação ao corpo dançante. E as bailarinas ouvem a voz, sentem a emoção e traduzem-na em movimentos. Ora subtis, ora violentos, ora solitários, ora coletivos, esses movimentos são sempre a escrita de uma súplica que vem da outra voz: a voz comum. Como diz Carolina Cantinho, “ Através de uma linguagem universal, vencemos as barreiras da língua e falamos com as emoções”. As emoções são transfiguradas em movimentos efetuados com rigor técnico pelas cinco bailarinas. Os movimentos falam porque estas jovens intérpretes da dança os sabem fazer falar. E escutar. Em três momentos os corpos repousam e dão protagonismo a outros corpos projetados na tela. Os corpos de onde tudo partiu. Os corpos que pertencem aos detentores das emoções que clamam por serem escutados. Os vídeos de Artur Rosa mostram o processo de criação de vinte e dois intérpretes que participaram nas formações que originaram este trabalho. No espetáculo as bailarinas conversam com as vozes trazidas pelos microfones. Articulam-nos de acordo com a altura dos seus interlocutores, interagem com esses objetos até a voz exterior se tornar presente. Quando o público assume a presença de uma outra voz, os microfones deixam de se fazer sentir presentes e tornam-se numa presença latente, fora do tapete onde tudo se transforma. A cena é aberta, por isso o espetador ode observar os cinco microfones assistindo atentos ao desenrolar do espetáculo.
“O corpo é uma preciosidade física com o qual experienciamos a vida. A dança vem complementar essa experiência.” Carolina Cantinho afirmou. Os corpos, através de vozes que noticiam o quotidiano de um país em crise, confirmam. E foi importante que, a partir de vozes de cinco bailarinas, as notícias tivessem saído escorreitas, fluidas, mas também agressivas e cruéis. Essa crueldade de que também é feita a vida. Os movimentos foram pensados até ao ínfimo pormenor, permitindo às bailarinas dançarem em sincronia ou dentro da sua própria solidão, como acontece tantas vezes na vida. Por vezes a nossa voz encontra uma voz irmã, com a qual seguimos um percurso e, no momento seguinte, essa voz torna-se dissonante da nossa, divergindo, discutindo. Foi o que se verificou com a coreografia criada nesta Outra Voz: os corpos juntavam-se, separavam-se, havia encontros a dois, a três, até chegar a um encontro total que, não precisando de dançar em sincronia, se percebe numa harmonia das cinco intérpretes.
Neste trabalho percebe-se já uma assinatura de uma jovem coreógrafa que, tendo começado a dançar segundo a matriz tradicional, se emancipou, devolvendo à arte uma forma de pensar coerente e original. No final do trabalho as bailarinas foram buscar os objetos que os formandos desta outra voz levaram para dar algo mais de si. E entre peluches, óculos de mergulhador, sapatilhas de dança e chapéus Carolina Cantinho soube devolver aos seus colegas de criação a sua voz genuína. Este foi um projeto que partiu do trabalho com vinte pessoas de várias idades onde não se traiu a ideia do coletivo. Pelo contrário: a outra voz deixou de ser tímida e singular para se tornar numa voz harmoniosa e universal. Carolina Cantinho é, desde 2004, formadora em Iniciação à Dança e em Dança Contemporânea em várias escolas de Faro, bem como bailarina coreógrafa da Companhia de Dança do Algarve, tendo obtido vários prémios de interpretação tanto a nível nacional como internacional.
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